por Luiz Alberto Mendes

 

Minhas escolhas me obrigam a desacelerar. De repente fiquei doente. Fiz exames e eles mostraram o coração, o pulmão e o fígado mais enfraquecidos. Já não sou o mesmo e não serei mais. Estou tomando remédios diariamente. E a responsabilidade é toda minha. Não existe quem eu possa culpar pelo que esta me acontecendo. Sou responsável pelas escolhas que fiz. A liberdade que busquei; emancipar-me às regras e proibições sociais via abusos inconsequentes, revelou-se uma armadilha. A liberdade nos remete imediatamente à responsabilidade, e ela é muito mais dura e inflexível que essa vida submetida a rotinas, regras e proibições.

Eu não havia percebido que, se a vida social desvaloriza a individualidade privilegiando o senso comum e o coletivo, ainda assim, restava a singularidade. Queremos ter para comprar e nos dar importância, através de símbolos de consumo. O carrão importado, o apartamento duplex, as roupas de grife, por exemplo. Procuramos o destaque para sentir que somos indivíduos e que estamos por cima, no comando de nossas vidas, além das imposições e limites sociais. Mas todas as pessoas também querem, como no caso hoje da classe chamada de "C", capitalizada e consumindo como a classe "B". Extingue a individualidade e o destaque conquistado pela classe "B" e submete a todos "C" e "B" aos mesmos patamares de consumo, regras e sistemas. A classe "B" sente a pressão, rejeita a classe "C", correndo atrás da individualidade perdida.

O problema é que nesse esforço nos esquecemos da singularidade. Cada pessoa é única e tudo o que somos vem da relação com os outros. Começamos despidos de posições, status e diferenças. Construímos a nós a partir do relacionamento com cada pessoa que encontramos ou desencontramos na existência. Somos seres nascidos para os outros: eles nos formam e nós os formamos. A cultura do consumo materialista e do utilitarismo nos tornou apenas pessoas com as outras pessoas. Estamos juntos mas reduzidos à uma luta vazia pela individualidade, para sermos diferentes dos outros. Porque tudo o que possamos conquistar de material para afirmar nossa individualidade e exibir nosso destaque é relativo ao tempo e ao espaço. Uma queda na bolsa de valores, uma súbita subida do dólar ou a saúde comprometida por escolhas erradas, por exemplo, nos deixa novamente submetidos ao mesmismo e às regras e proibições comuns da vida de todos. Exatamente porque ter é relativo e somente ser é definitivo.

Desacelerar para mim vai significar essa volta à singularidade, ao que construí em mim e que serve para os outros. Cumpri bem mais de trinta anos de condenações e na prisão não morre somente a vida. Morrem também os sentimentos, a razão, o respeito por si mesmo e pelos outros, além da auto-estima. E fico orgulhoso de haver lutado muito, às vezes desesperadamente, para me conservar inteiro. Em mim nada morreu, ao contrário, muita coisa nasceu. Estou com quarenta anos de leituras em busca de aprofundamentos. São treze anos escrevendo, falando e ensinando. Estou com cinco livros publicados, um novo já editado, saindo do forno e mais dois aqui prontos, na fila de espera. Não me tornei diferente dos outros, mas singular. Não há muitos que tenham alcançado essa singularidade e isso não é relativo a nada, a não ser a meu esforço pessoal.

Estou desacelerando para poder manter minha saúde. Continuo querendo ir mais longe, quero parar e pensar em como viver para e ao mesmo tempo, com os outros. Sonho em me dedicar mais, estudar mais para escrever e falar melhor para os outros. Construir uma mensagem mais verdadeira, fazer minha parte com elegância e coragem. Ser mais sorrisos, mais boa vontade, exercer minha singularidade e contribuir com minha parte para um mundo melhor para que eu, como todos, possamos viver melhor.  

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Luiz Mendes

22/12/2014. 

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