DE VEXAME EM VEXAME

por Alê Youssef
Trip #244

’’O que existe em comum entre a corrupção e a escalada medieval do moralismo no Brasil?’’


Viver no Brasil é um exercício cotidiano de convivência com vexames. São tantos absurdos que podemos passar a vida toda listando cada situação que nos causa constrangimento. São infinitas as colunas e os artigos que denunciam as diversas realidades que há anos massacram o idealismo, destroem os sonhos e condenam a maioria das pessoas a uma vida repleta de conformismo e mediocridade.

Mas será que seria possível buscar um denominador comum que explique tanta esculhambação? Seria viável, diante de tudo, encontrarmos uma vergonha absoluta que seja comum a todos os males? Existe um fato gerador da baderna?

O que existe em comum entre a persistente poluição da Baía de Guanabara, os estarrecedores índices de homicídios e violência, a grande corrupção de quem nos governa, as pequenas corrupções sem culpa de quem protesta, a escalada medieval do moralismo e a radicalização insuportável do debate de ideias?

Paira de forma transversal a todos esses males a absoluta precariedade do sistema de educação do Brasil, que impacta na relação interpessoal, na expressão da cidadania, na capacidade reflexiva, na importância que se dá para a ética, na compreensão da sustentabilidade.

O déficit educacional afeta, inclusive, a memória do brasileiro. Até os estereótipos do país tropical de beleza natural estonteante e do povo simpático, pacífico e acolhedor, que convive em uma sociedade mestiça multirracial, durante muito tempo cantados em verso e prosa, se perdem e saem aos poucos da perspectiva da cultura popular.

VERGONHA ABSOLUTA

Não avançamos o suficiente nessa área e estamos muito longe de qualquer perspectiva aceitável. Deixamos de buscar um desenvolvimento com base em uma educação decente em troca de um crescimento econômico rápido, através da explosão de consumo. A era da inclusão social, que é obviamente benéfica e bem-vinda, não consegue encontrar um processo histórico de continuidade.

Uma frase dita há alguns anos pelo professor da Universidade Harvard e atual ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, faz um diagnóstico de toda esta situação: “Precisamos trocar o espontaneísmo inculto pela flexibilidade preparada”.

A avaliação talvez esteja correta, mas, infelizmente, grande parte dos governantes e da elite brasileira – seja econômica ou cultural – também represente esse espontaneísmo inculto. Nossa sociedade está cada vez mais longe do preparo e do planejamento. Não há flexibilidade capaz de conter essa vergonha absoluta que permanece e cresce.


*ALÊ YOUSSEF, 40, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, analista político e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta.
Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com 


fechar