De lagarto a borboleta

Um processo de transformação nada fácil para quem foi acostumado a ver o futuro como projeção do passado

Caro Paulo,

A gente muda sem querer. Por isso sofre. A lagarta se transforma em borboleta sem querer. Aliás, dizem que a lagarta tem certeza de que está morrendo. E que nós é que temos a visão romântica de que está nascendo uma borboleta. Como parte da natureza, acredito que isso aconteça conosco também.

Em nossa consciência debatemos se devemos, se queremos, se vamos ou não mudar nosso comportamento. Enquanto isso, o nosso corpo vai tomando providências para sobreviver nas melhores condições de equilíbrio e bem-estar. Por isso somos surpreendidos por doenças do nosso corpo que contrariam nossos planos conscientes. Da mesma forma que nossos músculos e órgãos se ajustam para se complementar e compensar eventuais fragilidades e carências de um ou de outro, sem nos consultar.

Inclusive no mundo corporativo, vejo as novas práticas avançarem mais rápido do que a consciência e o desejo de assumi-las. Por exemplo, perguntei às lideranças de uma empresa qual era a importância da sustentabilidade na sua agenda. “Nenhuma” foi a resposta. No entanto, ao avaliarmos suas práticas de sustentabilidade, descobrimos que eram muitas e avançadas. A explicação não era uma estratégia nem uma decisão da liderança, mas a própria CORPOração tomando providências para sobreviver. As razões eram compliance, redução de custo, copiar o concorrente etc. Resumo: a corporação estava evoluindo para maior eficiência, maior segurança e competitividade, a despeito do desejo da mente consciente da corporação.

Num âmbito social, estamos vivendo o processo de transformação da vertical, lenta, fragmentada e pesada sociedade industrial na horizontal, ágil, integrada e leve sociedade do conhecimento. Não é uma transformação fácil para quem foi acostumado a ver o futuro como projeção do passado e terá agora que aprender a conviver com a incerteza do futuro. Dizem os historiadores que, sempre que a sociedade passa por períodos de transição como este, a insegurança e o medo da nova realidade provocam surtos de depressão e violência. É um momento de luto pela lagarta que se vai e de alegria pela borboleta que chega. Essa transformação é dada. Ninguém escolheu. Ela já está acontecendo. O que podemos fazer é sofrer menos, desapegando do que é sabido e dominado, acreditando que, no processo da evolução, a destruição tem o sentido de liberar a energia de um estado para reorganizá-la num plano mais complexo e adequado às novas circunstâncias da vida.

TALK THE WALK

Aliviar esse sofrimento é o desafio dessas gerações que herdaram a sociedade industrial e estão instalando a sociedade do conhecimento. São pessoas entre os meus 64 anos e os 3 anos da minha neta Teresa que, se tiverem consciência dessa transformação, têm obrigação de contar a todos o que ocorre. Já está na mídia. Seja um André Lara Resende, que nos provoca a repensar o capitalismo, ou um Marcelo Gleiser, que nos dá notícia do multiverso e anuncia a Terceira Revolução Copernicana.

Meu saudoso orientador e amigo Willis Harman sempre dizia que, além de falar, era necessário fazer – “walk the talk” –, mas que, nesta época, além de fazer, é preciso falar – “talk the walk” –, para que as pessoas possam entender o que está acontecendo e usufruam da mudança sem sofrer. É isso, Paulo, obrigado pelo espaço para falar.

Um abraço do amigo,

Ricardo

 

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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