por Luiz Alberto Mendes

Isolamento

 

O prisioneiro não esta preso pelos seus erros do passado e sim pelo pressuposto de que cometerá crimes futuros. Assim, não apenas seu corpo é cativo, mas sua alma, onde reside seu futuro, é invadida igualmente.

 

Isolado em uma cela

No centro de São Paulo

O contraste e o desperdício

Nada mais debilitante moralmente

Não podíamos dizer nada

E não escutávamos nada também.

Ao final a vontade de falar ou gritar

Era tão brutal

Que enlouquecíamos.

 

O bom comportamento na prisão era ceder a um sistema que queria nos desinvidualizar e nos transformar em números enfileirados e contáveis. Pessoas sem gostos, prazeres, vontades, definições ou posições pessoais. Na verdade, queriam nos matar e como não podiam, nos tornavam aprisionáveis, ou "velhos intercambiáveis", como queria Genet. Reagíamos, no começo com a violência que nos caracterizava e nos trouxera para aquele lugar. Depois descobrimos os livros. E os livros nos desenvolveram e ensinaram o que "eles" não queriam que aprendêssemos. Aprendemos a não aceitar nada dado sem questionar. Conhecemos nossos direitos constitucionais e que nossa humanidade devia ser respeitada. Dai para a frente discutíamos, fazíamos greves de fome, greve de sair da cela, greve de trabalho, greve de tudo. Reivindicávamos, pressionamos até o fundo e nos sacrificamos pelas nossas causas. Alguns de nós foram efetivamente mortos em nossos protestos. Mas todos nos passamos por muitas privações e apanhamos muito, tanto dos guardas como dos valentes policiais militares.

 

Aos olhos nus

Em movimentos alargados

Uma fúria fervia dentro de nós

Um ruído cego que ameaçava

Um modo áspero de decretar silêncios

Pedaços de mistérios compondo

Um mosaico de extremos inatingíveis

O imponderável na noite imóvel

De náufragos e travessias perigosas

A paz surgia coada e filtrada

De todas as dores acumulada.

 

E conseguimos tudo o que queríamos dentro da prisão. Só que de nada nos adiantava, porque o que queríamos mesmo não era possível. Uma palavra viva que entalava na garganta, algo que vibrava infinitamente preso dentro de cada um de nós. Liberdade, meu deus. Mesmo assim, a resistência tinha que ser crua e os tendões precisavam ser alongados. A vida brotava do esforço de cada um por suportar e ir à frente, mesmo assim. Das gotas de suor que molhavam o chão quando nos obrigavam a ficar de joelhos ao sol ardente. Em delírios, aprendíamos a extraíamos da dor a capacidade de sofrer.

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Luiz Mendes

10/04/2014.  

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