por Juliana Sayuri
Trip #286

Paradoxos entre o moderno e o tradicional atravessam o cotidiano das cidades japonesas em um estilo tão singular que fica difícil resistir à fórmula

Luxo vs. pechincha

Hyaku En é um tipo de loja onipresente onde quase tudo custa 100 ienes (o equivalente a US$ 1 dólar ou R$ 4), no estilo das lojas de “1,99” no Brasil. O catálogo inclui itens tão diversos quanto post-its, martelos, marmitas e santoku, a tradicional faca japonesa de aço inox e lâmina afiada – que, no Brasil, custaria cerca de R$ 500.

Por outro lado: no país, itens que consideramos básicos 
podem ser surpreendentemente caros: um saco de 2 quilos de arroz, o principal ingrediente da dieta diária japonesa, custa até 4 mil ienes (R$ 160). Nos últimos anos, a alta do preço do gohan gerou uma tendência de consumo: arroz importado da Austrália, uma alternativa mais econômica.

Deus (me) livre

Há mais de 70 mil templos no país, majoritariamente xintoísta e budista. Enquanto o xintoísmo é uma crença animista e politeísta (considera diversos deuses), o budismo é uma filosofia não teísta (não reverencia divindades) – as duas religiões somam mais de 190 milhões de seguidores. Já o cristianismo, conta com 3 milhões de fiéis no Japão, menos de 2,4% da população.

Por outro lado: japoneses realizam os casamentos no estilo cristão (noivas de vestido branco, véu e grinalda, caminhando em direção ao noivo à sua espera no altar de uma igreja protestante). Já o Natal, a mais importante festa católica, não é celebrado e todo mundo trabalha nos dias 24 e 25 de dezembro, apesar de enfeites natalinos e ecos de “Jingle Bells” ocuparem os mercados.

É proibido fumar (lá fora)

Fumar nas ruas é proibido. Nas cidades, há áreas demarcadas, cinzeiros sinalizados (onde se pode fumar paradinho) e fiscais uniformizados para garantir o ar livre livre de nicotina – burlar a lei rende multa de 20 mil ienes (R$ 800). De olho na Olimpíada, a partir de abril valerá uma lei antifumo em colégios, hospitais e instalações públicas, sob multa de 500 mil ienes (R$ 20.000).

Por outro lado: a rigidez só vale para ambientes abertos. Ainda é possível fumar em fumódromos e, ironicamente, dentro de bares e restaurantes de até 100 metros quadrados. Já a maconha é alvo de tolerância zero: a posse pode render até cinco anos de prisão, multa de milhares de dólares, pressões 
por desculpas públicas e demissões.

Igual, mas desigual

Terceira maior economia do mundo, o Japão é uma das nações mais igualitárias. Segundo o Global Wealth Report de 2019, relatório do Credit Suisse Research Institute, o país tem a melhor distribuição de renda: 53% das pessoas têm mais de US$ 100 mil em bens, cinco vezes a média global. O salário médio anual é 5,2 milhões de ienes (R$ 200 mil) e o mínimo, 1,8 milhão (R$ 72 mil).

Por outro lado: segundo dados de 2017 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Japão é o terceiro país rico com a maior disparidade salarial entre homens e mulheres (24,5%). No relatório do Fórum Econômico Mundial de 2019, que mede participação de mulheres no mercado e na política, o Japão ficou na posição 121 de 153 países analisados.

Seja bem-vindo, mas vá embora

O mercado pre-ci-sa de trabalhadores estrangeiros. Não há jovens japoneses para preencher vagas abertas – o índice de natalidade é mínimo (1,4 filho por família) e o número de idosos é gigantesco (35 milhões, quase 30% da população). O país tem 1,63 empregos disponíveis para cada cidadão. Assim, o governo flexibilizou regras de imigração para atrair 345 mil profissionais.

Por outro lado: a entrada de estrangeiros é um assunto delicado aos olhos nipônicos, isolados nas ilhas e não muito abertos ao gaijin (estrangeiro). O primeiro-ministro Shinzo Abe frisou que a ideia é acolher trabalhadores temporariamente. “Não é uma nova política de imigração. Revisões são esperadas apenas para prover recursos humanos para a indústria por tempo determinado”, disse.

Lixo zero, plástico mil

Todas as casas têm um calendário colorido e uma cartilha com as regras para a coleta seletiva do lixo, em uma segmentação que vai além do “orgânico versus reciclável”: um dia para itens queimáveis (como papel), um para garrafas PET, um para latas...Se é dia de vidro e você deixar papel, por exemplo, o lixeiro, além de não levar o saco, ainda vai deixar uma notificação.

Por outro lado: o Japão é o segundo maior mercado de plástico per capita (106 quilos). Uma caixa de cookies, por exemplo, é feita de plástico, contém uma divisória de plástico e, por fim, traz cookies embalados individualmente em sachês de plástico. Embora o governo declare reciclar 86% das 9 milhões de toneladas de lixo plástico anuais, na realidade, apenas 14% são, de fato, reciclados.

Marie Kondo vs. Gomi Yashiki

Em 377 mil quilômetros quadrados vivem cerca de 127 milhões de pessoas, o que explica o minimalismo japonês, impulsionado pelo fenômeno Marie Kondo, do reality show Ordem na casa, lançado pela Netflix em 2019. O sucesso da série pode levar você a pensar que o método KonMari vale para todos: um ritual de desapego dos objetos, mantendo só o que “traz alegria” para casa.

Por outro lado: com o holofote nas tendências minimalistas, um fenômeno fica invisível no Japão: o gomi yashiki, que se refere às casas de acumuladores, com infindáveis pilhas de coisas, inclusive itens retirados do lixo alheio. Em 2014, 131 endereços foram forçosamente faxinados, pois seus proprietários não conseguiam mais andar dentro de casa; em 2018, o número saltou para 1.057.

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Imagem principal: ILUSTRAÇÕES FABRIZIO LENCI/VAPOR

ILUSTRAÇÕES FABRIZIO LENCI/VAPOR

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