Comportamento suicida

Pelos muitos exemplos ruins, ser transformador, hoje, pode ser não transformar

Somos transformadores por natureza, nós, humanos. Até mesmo um pouco demais. O sujeito olha para uma mata virgem e logo pensa que ali ele poderá ganhar dinheiro tirando madeira, plantando soja, criando gado, construindo um resort ou, na melhor das hipóteses, vendendo créditos de carbono e usando a mata em campanhas de marketing. Por que a mata tem que “servir para alguma coisa”? Por que, ao olhar para a mata, o sujeito não a contempla simplesmente? E não fica feliz apenas por ela existir? Estragamos tanto o planeta em nome da transformação (que chamávamos de progresso) que agora estamos dizendo, suprema ironia, que conservação é que é transformação.

Há um livro de Jared Diamond chamado Colapso, do qual sou fã e que, se você não leu, eu recomendo. O subtítulo é: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. De fato, o que Diamond faz é analisar uma série de exemplos – alguns do passado, outros contemporâneos – para tentar entender por que algumas sociedades optaram por padrões de comportamento suicidas, enquanto outras buscaram caminhos sustentáveis. Como não poderia deixar de ser, a maior parte dos relatos descreve casos em que as coisas deram errado. O exemplo mais gritante, e também mais famoso, é o da Ilha de Páscoa, conhecida por suas grandes estátuas de pedra, os moais. Como era muito remota, os ilhéus, de origem polinésia, quase não faziam intercâmbios com outros lugares, dependendo basicamente dos recursos locais para sobreviver. Só que a população cresceu demais e os alimentos ficaram escassos. As árvores foram sendo cortadas até que nenhuma sobrou, nem mesmo para que canoas fossem construídas e eles pudessem pescar ou remar para longe.

Sem poder fugir, e passando fome, os pascoenses começaram a se exterminar mutuamente e a praticar canibalismo, até que quase nada sobrou. Quando os primeiros navegadores europeus desembarcaram lá, em 1722, não conseguiram aceitar que um reduzido bando de primitivos numa ilha árida pudesse ter alguma relação com aquelas estátuas impressionantes. Os forasteiros não sabiam que o lugar nem sempre havia sido estéril e que aquelas pessoas eram os descendentes dos poucos que sobreviveram a um longo processo de autodestruição, em que pessoas e valores culturais foram todos para o saco.

Jared Diamond gosta desse exemplo porque ele serve de metáfora para o planeta, uma grande Ilha de Páscoa, superexplorado, cada vez mais lotado de gente e sem rotas de fuga. Nosso padrão ambiental é devastar o lugar onde vivemos e, quando constatamos que não dá mais para ficar nele, migramos e começamos a destruir em outro canto. Pelo menos enquanto podemos...

BONITINHA, MAS ORDINÁRIA

Colapso ainda conta a história do genocídio de Ruanda – que Diamond atribui mais ao esgotamento do meio ambiente do que a rixas étnicas entre hutus e tútsis –, do Haiti, da China e da Austrália (a qual, de um ponto de vista ambiental, poderíamos chamar, citando Nelson Rodrigues, de “bonitinha, mas ordinária”).

E as experiências que deram certo? Nesse ponto, certamente pela escassez de bons casos, a lista é bem menor. Diamond cita a pequena República Dominicana (28% de área florestada), uma exceção ecológica, vizinha e antípoda do Haiti (1%). Mas a melhor história é a do Japão: país de poucos recursos naturais e superpopuloso que tem, paradoxalmente, um dos maiores percentuais de áreas florestais do mundo (70% do território). Com medidas conservacionistas extremas tomadas pela dinastia Tokugawa, a partir do século 17 (quando o país era ferozmente desmatado e caminhava para o colapso ambiental), os japoneses traçaram, lá atrás, o rumo de uma sustentabilidade que dá frutos ainda hoje. Enfim: pelos muitos exemplos ruins e pelos poucos positivos, uma boa lição a ser aprendida é que ser transformador, hoje, pode ser não transformar. E tentar impedir que transformem.

 

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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