Quando jovem, a ansiedade devorava minhas melhores intenções. Ainda agora, aos 65 anos, luto contra sua influência
Há tempos venho colhendo informações sobre as oscilações que vivenciamos por conta da influência de nossas potencialidades físicas – e venho me assustando com o que descubro acerca da determinância que o nosso corpo exerce na formação de nossas escolhas e vontades.
A agonia, revestida de ansiedade, chegou quando eu tinha cerca de 9 anos, e tomou conta. Ainda agora, aos 65, luto contra sua influência em minha relação com as pessoas e com o mundo. É uma força poderosa, cujas dimensões e alcance não tenho nem uma ideia aproximada de como se processam. Freud e seus múltiplos discípulos, seja Adler, Ernest Jones, Jung, Reich e depois Lacan, tentaram, mas apenas levantaram a ponta da cortina de preconceitos que a recobre.
Lembro-me de que garotinho, do nada, inventei o tesão. De início eu me masturbava feito macaco no zoo. O meu primeiro orgasmo aconteceu em cima do telhado da casa. Lugar escolhido por ser de difícil acesso e por estar escondido do resto do mundo. Depois, apareceram os outros meninos. Eles eram as vítimas: eu os comprava e usava. O que eu tinha entre as pernas passou a ser determinante em minha existência. De repente, só pensava “naquilo” e vivia atrás dos garotos que cediam. Creio que comecei a furtar em casa para financiar essas aproximações com os meninos mais novos. Logo estava roubando onde fosse. Vivia em febre, caçando algum jeito de desafogar aquela pressão.
Depois, como em um passe de mágica, perdi o interesse. Nem sei bem quando ocorreu essa virada para as meninas, mas então elas passaram a ser o centro de minha vida. Eu só via elas no mundo. Meus olhos as seguiam como águias acesas por brasas. Obcecado, lambia-as com os olhos e não conseguia tirar minha atenção delas. Quanta timidez, quanta vergonha! Só mesmo o volume insuportável dessa pressão interior me movia a elas. Foi muito sacrificado liberar trancas e cadeados. Ainda hoje luto com todas as minhas forças para poder travar uma relação de respeito com o sexo oposto. Às vezes consigo, mas somente às vezes; estou muito inibido ainda. É que uma vida só é pouco, sou selvagem e tosco, careço de muitas vidas para ser mais amistoso.
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O SOM DA VIOLÊNCIA
Quando jovem, eu era um bólido a cortar o vento. A ansiedade devorava minhas melhores intenções. Todos eram lentos demais para a minha pressa por viver. A minha química interior entrava em ebulição muito antes da dos outros. As drogas (anfetaminas) e o álcool potencializavam a explosão de violência que se seguiria. Para virar-me contra o mundo e as pessoas, foi apenas um passo. Agredia, julgando me vingar. Acreditava ser justo que eu tomasse de toda violência e atacasse sem dó.
Dentro de mim, a pressão interior exercia efeitos físicos. Meu corpo estremecia. As mãos e os joelhos ficavam incontroláveis. Ficava inseguro, perdia a articulação toda, temia não conseguir colocar uma palavra diante da outra. Jamais tive nenhum prazer em fazer mal a alguém. Embora fosse extremamente vingativo e agressivo, gostava de gente e estava sempre disposto a favorecer. De fato, tomei algumas atitudes em prol dos outros e depois da maioria, com a maior satisfação. “Não” é palavra que só vim a aprender a usar depois.
A prisão foi uma consequência. E na cadeia, onde fiquei em absoluta contenção
sexual por 12 anos, a masturbação era diária. Houve quem dissesse que consegui sobreviver aos 31 anos e dez meses de prisão por conta da expressividade da minha imaginação sexual. Fiquei viciado, não conseguia dormir sem me masturbar. Alguma coisa, que nunca soube o que foi, dominava, lá dentro de mim. Era muito mais potente e dominante que qualquer droga.
Ao sair, ainda estava subjugado ao império daquelas forças interiores. Estive com muitas mulheres, claro, sem ilusões ou mentiras. Voltando à normalidade, aos poucos fui me tornando amigo delas. E, é inevitável: para não amá-las é preciso não conhecê-las. E foi no convívio com elas que fui me reeducando.
Construí amizades sem distinção entre homens e mulheres, mas não consegui me livrar da agonia que me persegue desde cedo. Hoje, ainda sinto seus efeitos, sou um refém cujo resgate não consegui pagar ainda. A fera interior está mais sob o controle da razão, mas, confesso, ainda me faz de bobo e zomba de meus parcos recursos, como sempre.
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