São Paulo é inviável. A cidade é uma descontrolada fábrica de loucos

São Paulo é inviável. A cidade é uma descontrolada fábrica de loucos. É grande demais, populosa demais, insustentável demais, caótica demais. Somos todos Napoleões, com mania de grandeza

Quando cruzo a Ipiranga alguma coisa acontece no meu coração. E a coisa não é boa. É algo causado, talvez, por estresse em combinação com taxas elevadas de poluentes atmosféricos. É uma sensação de viver num ambiente de insensatez generalizada, insensatez que ninguém parece enxergar. Como no caso daqueles Napoleões de hospício das histórias em quadrinhos, que se sentem perfeitamente normais, tão normais quanto o Napoleão original, o imperador – esse, bem pouco normal; afinal, quem põe na cabeça que quer e pode conquistar o mundo? É isso o que eu penso sobre a cidade de São Paulo. Ela é uma louca e descontrolada fábrica de loucos. É grande demais, populosa demais, insustentável demais, caótica demais. Caetano cantou que São Paulo ergue e destrói coisas belas. É uma meia verdade. Basta uma consulta a fotos antigas da cidade para se perceber que a conta do “destrói” é infinitamente maior do que a do “ergue”.

Eu não estou defendendo e nem romantizando as pequenas comunidades rurais. É inegável que a humanidade sempre produziu suas melhores ideias, obras de arte e da ciência no ambiente agitado das grandes cidades, e não na modorra sonolenta dos grotões caipiras. Mas tudo tem limite. Uma coisa é cidade grande e outra, muito diferente, é uma megalópole como São Paulo. Que traz água de cada vez mais longe, até mesmo de Minas Gerais, para que o paulistano possa lavar seu carro e sua calçada; que enterrou e enterra rios, riachos e várzeas; que desmatou e segue desmatando, avançando por suas bordas numa velocidade alucinante; que produz diariamente um oceano de lixo absolutamente intratável; que gera esgoto num volume apocalíptico; que coloca todos os dias mais de mil carros novos nas ruas; que não só é desigual, mas tem na desigualdade uma de suas características mais marcantes, algo de que muitos paulistanos se orgulham; que produz pessoas estressadas a ponto de cometer os mais absurdos crimes.

Multidão solitária

Uma cidade, enfim, na qual a teoria da “multidão solitária” encontra a prática. Megalópole é o que o nome diz, e São Paulo não é evidentemente a única no mundo. Mas se os otimistas gostam de nos comparar a Nova York, Londres ou Berlim, eu diria que estamos mais para Daca, Mumbai ou Kinshasa.

São Paulo tem, é evidente, aspectos positivos. Sim, são aqueles mesmos que são cantados à exaustão por seus fãs de carteirinha: cinemas, shows, teatros, museus, livrarias, bares, gastronomia variada e internacional. Mas eu mesmo (e penso que boa parte de meus concidadãos) usufruo cada vez menos de cada uma dessas coisas. Preços altos, filas, risco de assalto, trânsito congestionado... 
A livraria que mais frequento, ultimamente, é a internet. O cinema é a TV por assinatura. Meu bar predileto fica a 300 metros de casa, e não é muito diferente de qualquer bar em qualquer cidade do país. E o último show a que me animei a ir teve seus ingressos esgotados antes que meu mouse clicasse “sim”, confirmando a compra, e isso menos de 30 minutos após o início das vendas.

Platão e Aristóteles já recomendavam o controle de natalidade, pois não imaginavam que uma cidade razoável pudesse ter mais do que uns poucos milhares de habitantes. Afinal, na megalópole, até mesmo a democracia fica colocada em xeque: como um prefeito e 55 vereadores podem representar razoavelmente uma população de mais de 11 milhões de pessoas?

São Paulo é inviável. Somos todos loucos e não nos damos conta disso. Somos todos uns Napoleões, alguns de nós o do hospício, outros o imperador. Pois ambos são, como nós, loucos com mania de grandeza: do alto de nossa insensatez, nós olhamos para os habitantes de cidades menores e, com aquela tranquilidade dos que se consideram superiores, dizemos a nós mesmos que somos uns cosmopolitas muito, mas muito mesmo, especiais.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br
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