por Milton Hatoum

Milton Hatoum, um dos principais escritores brasileiros, comenta o lançamento em DVD de Lavoura Arcaica

Milton Hatoum, um dos principais escritores brasileiros, planta abaixo comentários sobre Lavoura Arcaica. O filme de Luiz Fernando Carvalho baseado na obra de Raduan Nassar chega este mês ao DVD com documentário inédito sobre as filmagens

Não é comum um grande livro de ficção inspirar um grande filme. Mais raro ainda é o diretor do filme aceitar o desafio do texto e transformá-lo também numa aventura da linguagem. Quem assistir a Nosso Diário [documentário de quase uma hora sobre a filmagem de Lavoura Arcaica, que vem como extra no DVD] vai encontrar uma lição de cinema, o que vale dizer: uma lição de profissionalismo sobre o fazer cinematográfico. Além da conversa entre o organizador do festival de Montreal, André Paquet, e o cineasta Fernando Solanas, ressaltam os depoimentos de toda uma equipe movida pela pesquisa e pelo amor à matéria filmada. Amor? Penso que ali há um estado de transe, de graça, tamanho é o envolvimento entre o texto e o que será filmado.

A idéia de construção está presente desde o início do Diário. Primeiro, a reconstrução do espaço físico da sede da fazenda e de seu entorno. Depois, um esforço de compreensão do romance de Raduan Nassar, o trabalho dos atores, a passagem da pessoa à personagem. Enfim, dois depoimentos notáveis: do diretor, Luiz Fernando Carvalho, e do diretor de fotografia, Walter Carvalho. Num certo momento, Walter afirma que "o melhor fotógrafo é o que mente melhor". E Luiz Fernando alude ao filme como uma "cartografia da alma". Duas observações que se completam e flertam com a literatura. O escritor Edward Forster, autor de Howard’s End, dizia que um romance é uma obra feita com rigor mas encharcada de humanidade.

Essas duas coisas [construção e drama humano] são os pilares da prosa poética de Raduan. Não é outra a perspectiva do filme, cuja cartografia da alma é desenhada pelo olhar do diretor e de toda a equipe. Na difícil travessia da palavra para a imagem, Lavoura Arcaica recupera a essência do texto, valorizando o que há de mais poético e dramático de uma linguagem à beira do abismo.

O amazonense Milton Hatoum, 53, é autor de três romances: Relato de Um Certo Oriente e Dois Irmãos [vencedores do Prêmio Jabuti], e do recém-lançado Cinzas do Norte [Companhia das Letras, 312 págs., R$ 39], que narra a história de dois amigos que se distanciam e tomam caminhos diferentes durante a ditadura militar

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