O que mais me atrai no cérebro humano é que ele é o único que produz e frui arte
Com menos de 1 quilo e meio, o cérebro humano, dizem, é a estrutura mais complexa do universo, e as conexões entre seus cerca de 86 bilhões de neurônios seriam mais numerosas do que as estrelas da Via Láctea. Todos os vertebrados têm cérebro, mas o humano é o único que pensa sobre passado e futuro, permanência e desaparecimento, infinito e finitude e se fomos criados por deuses ou se nós é que os criamos. Outra característica exclusiva do nosso cérebro é que ele pensa nele mesmo, abrindo espaço para que psicólogos, psiquiatras, neurologistas, místicos e teóricos de botequim desenvolvam teorias a respeito de seu funcionamento, além de drogas, terapias e exercícios para que trabalhe melhor ou transcenda a si próprio. O que mais me atrai no cérebro humano, contudo, é que ele é o único que produz e frui arte e se dá conta da beleza das coisas.
São tantas as teorias e as práticas sobre o cérebro que, claro, não há e jamais haverá consenso. Algumas terão uma abordagem mais mística ou espiritualizada e buscarão, naquele menos de 1 quilo e meio, a porta para a alma e para a capacidade de transcender tempo e matéria. Outras, ainda, abordarão a mente com um recorte puramente químico, dizendo que a diferença entre ver e não ver deus se materializando diante de você está simplesmente na dosagem de drogas, naturais ou não, que você ingeriu. Isso sem falar em rastafáris e adeptos do daime, para os quais a química é, de fato, um atalho para o divino. Budistas têm seus caminhos, psicólogos, suas terapias. O surfista havaiano Gerry Lopez uma vez escreveu que entubar uma onda tem o mesmo efeito sobre o cérebro que o nível mais profundo de meditação. Como ele fazia muito bem as duas coisas, é possível que estivesse certo. E, hoje em dia, estão cada vez mais em evidência as pessoas que atribuem aos jogos (eletrônicos ou não) o poder de desenvolver as mais diversas capacidades mentais, como concentração, raciocínio e habilidade de trabalhar em grupo.
Como acontece com muita gente em nossos tempos pós-modernos, minha visão da nossa massa cinzenta é uma combinação pessoal de vários recortes. Eu acredito que foi o cérebro que criou deus, não o contrário; que dentro dele não habita o divino, mas podem morar a razão, a ética e a capacidade de ler e escrever, ainda as melhores maneiras de lidar com o mundo; que o contato com a natureza faz um bem danado para a cabeça; e que, finalmente, nada supera a arte e a busca pela beleza como ferramentas de estímulo à mente. Perseguir a beleza – na arte e fora dela – faz bem ao cérebro, e se é verdade que o lado negro da força às vezes se impõe (pois não foram os nazistas que ensinaram a estetizar a política?), isso não nega o fato de que a contemplação do belo é essencial à mente humana. Platão, há muito tempo, afirmou que “tudo o que é bom é, sem sombra de dúvida, belo”. No século 19, Dostoiévski escreveu que “só a beleza salvará o mundo”, frase que fez discípulos e foi usada como título de um livro do grande filósofo búlgaro-francês Tzvetan Todorov. Na mesma linha, o poeta norte-americano Robinson Jeffers (1887-1962), tido como um dos gurus da ecologia contemporânea, compôs os seguintes versos, de um de meus poemas preferidos, “A beleza das coisas”:
“Para sentir e falar a impressionante beleza das coisas — terra, pedra e água,
Fera, homem e mulher, sol, lua e estrelas —
A beleza cor de sangue da natureza humana, seus pensamentos, frenesis e paixões, (...).”
Ninguém vai negar que somente o cérebro humano poderia criar versos como estes. E o bem que eles fazem à minha mente, sempre que os releio, só eu sei.
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