A coragem do suicida

por Luiz Alberto Mendes

Suicida

 

Uma amiga me relatou que, depois de dançar forró a noite inteira na Virada Cultural, na volta para casa, exausta mas leve e feliz, tomou um choque de 380 volts. Aguardava o trem na plataforma de uma estação do metrô, quando uma moça jogou sua bolsa nos trilhos, em seguida se jogou também, acomodou a cabeça no trilho e ainda olhou para as pessoas. Só deu tempo da minha amiga fechar os olhos para não ver, e o trem pegar a jovem. Segundo ela, o barulho do choque foi sinistro, e dizia: "ainda bem que fechei os olhos a tempo!" Ao fechar os olhos ela não registrou a imagem da máquina esbagaçando com a moça, mas quanto ao som... Este ficaria gravado para sempre.

Certa vez dentro da carceragem do DEIC, acordei meio assustado e vi um parceiro meu pendurado pelo pescoço em uma corda improvisada amarrada à grade. Corri para socorrer. Agarrei-o pelas pernas, ergui e já gritei por ajuda. O amigo socava forte para que eu o largasse. Fez até galos na minha cabeça. Os outros acudiram e conseguimos socorrê-lo. No chão o sujeito ficou muito bravo, dizia: "porque não me deixaram morrer? Não quero mais ser torturado, prefiro morrer!" e ainda fomos torturados por certo tempo. Anos depois, na cela-forte de uma penitenciária, ele consumou seu intento, suicidando-se enforcado.

Desde muito pequeno a idéia de suicídio me surgia sempre que as coisas saiam do controle e a dor parecia acima do suportável. Eu aprontava dessas cagadas homéricas e pensava: caso descubram, me atiro do Viaduto do Chá. Muitos haviam se atirado de lá de cima para o desconhecido.  Eu os vi esborrachados no chão em meio a enorme poça de sangue. Mas eu nunca tive coragem. Inúmeras vezes pensei que não aguentava mais viver preso e acabar com a vida parecia a única saída viável. Era sedutor pensar que morreria e de repente todos os problemas se acabariam. Vivi situações limites aos montes; trocentas rebeliões em mais de 30 anos preso; tiroteios; muitas guerras entre nós presos, e alguém teria que morrer; os guardas de presídio espancavam com canos e barras de ferro...

Sempre achei que quem se mata ou tenta seriamente se matar (assisti algumas comédias também), enlouqueceu ou tem muita coragem. Porque eu, de verdade, jamais tive coragem nem de chegar perto. Vontade é uma coisa que dá e passa quando a gente percebe nossa covardia. Não é o medo da morte, mas sim o medo da dor que vai causar a morte. Cheguei a invejar os suicidas. Muitos amigos se suicidaram na prisão.

Dizem que quem se suicida é covarde. Bem, até se pode argumentar nesse sentido; o sujeito não tem coragem de seguir adiante, então se mata. Mas olha, a decisão e depois a execução deve exigir toda coragem que uma pessoa possa ter. Eu, sinceramente, vão ter que matar ou vou morrer de causas naturais, porque não sou homem para isso.

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Luiz Mendes

22/05/2013.  

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