Miguel Nicolelis cria rato com visão infravermelha

por Redação

Novo experimento do neurocientista brasileiro adiciona novo sentido para o cérebro perceber o mundo

O mundo soube ontem que a ciência acaba de criar um tipo de rato com um superpoder. Sem usar a visão, o tato, a audição ou qualquer um dos cinco sentidos tradicionais (sim, a partir de agora existirão os sentidos tradicionais e os novos), ele percebe a presença dos objetos e desvia deles, busca água e encontra o caminho. Esse rato agora “enxerga” em infravermelho. Ou, em palavras menos empolgantes, seu cérebro agora consegue decodificar sinais infravermelhos.

O experimento, que ainda não foi publicado, foi surpreendentemente anunciado ontem por seu autor, o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, vencedor do Prêmio Trip Transformadores de 2011, durante um debate promovido pela Trip em São Paulo, do qual também participou o psicólogo e escritor Contardo Calligaris. O evento teve a mediação de Ricardo Guimarães, sócio-fundador da Thymus, e marcou uma comemoração dupla: celebrou o aniversário de 25 anos da revista Trip e a quinta edição do Prêmio Trip Transformadores, que será entregue nesta quarta-feira, dia 26 de outubro, no auditório Ibirapuera, em São Paulo. Para saber mais sobre a noite do debate, leia aqui.

Segundo Nicolelis, em um experimento inédito feito por sua equipe, um aparelho capaz de detectar luz infravermelha foi conectado ao cérebro do rato, mais especificamente na região cerebral relacionada à percepção tátil. Para que o bichinho se acostumasse com esse novo sentido, ele foi mantido, por um mês e meio, em um ambiente todo identificado em luz infravermelha. Foi então que a mágica aconteceu. Aos poucos, diz Nicolelis, o cérebro do rato criou um modelo da realidade que incorporava a luz infravermelha e o novo sentido passou a fazer parte de sua maneira de sentir o mundo.

É uma façanha que nenhum mamífero até hoje era capaz de realizar porque, naturalmente, nenhum tem receptores para a luz infravermelha. “O experimento, que será publicado dentro de alguns dias, vai causar certo constrangimento. O que vem pela frente a partir daí ninguém tem a menor ideia, mas vai ser algo interessante de ver”, disse Nicolelis durante o debate.

Essa é a segunda vez que a equipe de Nicolelis, que dirige um dos mais importantes centros de neurociências do mundo, o da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, cria um novo sentido. A primeira pesquisa desse tipo, publicada há algumas semanas, mostrava que um macaco foi capaz de sentir, por meio de um “tato virtual”, a diferença entre objetos visualmente idênticos em uma tela de computador. Quando o primata passava o cursor sobre os objetos, a máquina emitia um sinal elétrico que, por meio de chips implantados no cérebro, fazia o animal sentir sua textura.

Os dois experimentos fazem parte do projeto “Walk Again” (Andar novamente, em inglês), que pretende fazer com que um jovem tetraplégico possa dar o pontapé inicial da partida de abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Nicolelis pretende conquistar essa façanha por meio de uma espécie de vestimenta motorizada, comandada diretamente pelo cérebro do jovem. Mas, além de fazer com que a máquina entenda os sinais elétricos enviados pelo cérebro, será preciso que o jovem receba da máquina estímulos sensoriais que permitam a ele sentir o ambiente, caso contrário tropeçaria, por exemplo.

Mas o projeto Walk Again é apenas o primeiro passo de uma revolução que as pesquisas de Nicolelis e outros centros de pesquisa do mundo começam a desenhar: a interação direta cérebro-máquina, que permitiria ao cérebro humano empreender viagens sensoriais a ambientes inacessíveis (o planeta Marte, um aneurisma cerebral inacessível aos bisturis ou o núcleo de um reator atômico com defeitos, como o de Fukushima) ou mesmo ambientes virtuais (os aficionados por games podem imaginar o que vem por aí).

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