Como ter água de qualidade na torneira promove a saúde e a dignidade das mulheres e um futuro mais sustentável para todos
O acesso ao saneamento básico, essencial para promover a saúde e reduzir impactos ambientais e sociais gerados pela vida urbana, também contribui para um futuro com mais equidade de gênero. Por esse motivo, entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lançados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, está a atenção especial para mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade social, que, em geral, são responsáveis pelos cuidados com o lar e convivem com condições precárias de higiene e saúde.
No Brasil, mais de 11 milhões de famílias têm a mulher como única responsável pelos filhos de até 14 anos, de acordo com dados do IBGE, de 2018. Dentro desse recorte, a desigualdade de raça e classe é visível: 7,8 milhões das chefes de família são negras e, dentre elas, 63% vivem abaixo da linha da pobreza, de acordo com levantamento feito pela organização de mídia Gênero e Número junto ao IBGE. A falta de saneamento básico atinge 41,8% das famílias sustentadas por mulheres negras, que não têm acesso a água encanada e tubulação de esgoto.
Desde 2016, o Programa Água Legal, desenvolvido pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), tem como foco a regularização do abastecimento de água em áreas de vulnerabilidade social, onde há ocupação desordenada e irregular. O programa já beneficiou mais de 150 mil famílias e conta com a colaboração de uma legião de mulheres que vivem nas próprias comunidades atendidas: “Elas participam da implantação do projeto, ajudam a fazer um levantamento da população local, a aproximar as pessoas”, explica Angela Biancolin, coordenadora do Programa Água Legal na região metropolitana de São Paulo.
Além do acesso à água tratada, cerca de 30% das comunidades atendidas programa também são beneficiadas com a canalização do esgoto, o que reduz os riscos de doenças causadas pela água contaminada, enchentes e entupimentos nas casas. Conversamos com três mulheres que testemunharam mudanças profundas no cotidiano de suas famílias e das comunidades em que vivem com a regularização da água e esgoto promovida pelo Programa Água Legal.
“O saneamento trouxe dignidade para a gente”
Valbenice de Paula, moradora do Jardim Industrial, periferia de São Bernardo do Campo, impactada pelo programa Água Legal
Ponto de virada
“Meus dois filhos viviam com virose. A água que chegava era barrenta, com gosto estranho. Além disso, tinha esgoto a céu aberto na porta da minha casa”, conta Valbenice de Paula, ex-operadora de máquinas em uma fábrica de plásticos, que atualmente está desempregada. Com a regularização do abastecimento de água há quatro anos e a retirada das tubulações clandestinas (os chamados “gatos”), ela viu melhorias na rotina de sua família, composta por ela, o marido e dois filhos: “A Sabesp trouxe dignidade para a gente. Quando recebia uma visita, ficava constrangida com o mau cheiro do córrego, apareciam roedores e insetos de todo tipo. Hoje, a gente pode abrir a janela, deixar o filho brincar um pouco fora de casa, sem medo de algum bicho picar.”
Liderança da comunidade Pinheirinho 2, que fica dentro do bairro São Mateus, na zona leste de São Paulo, Adriana Alves acompanhou a chegada da água tratada há cerca de um ano e meio: “Antes, a água misturada com esgoto invadia minha casa, entravam fezes, bichos. Uma vez, meu filho e eu ficamos muito doentes por conta de uma bactéria. Ele tinha apenas dois aninhos”, relembra. “Com a regularização feita pela Sabesp, as crianças não precisam mais ir tanto ao médico, melhorou 100%”, diz ela, que trabalha como corretora de seguros e mora com o marido e três filhos.
Kelly Baeta, que mora na comunidade Araguaia, na zona leste de São Paulo, também viveu por anos sem ter o abastecimento regularizado: “Quando chovia, as ruas ficavam alagadas, não tinha como a água ir embora. Em casa, o banheiro era uma fossa, que sempre entupia”, conta a auxiliar administrativa, que tem dois filhos e é mãe-solo. A falta de água também fazia parte da rotina, até o final de 2020. “Chegava do trabalho no fim do dia, queria tomar banho, fazer janta e não tinha água. Algumas casas ficavam dois ou três dias sem. Agora, a água não falta e vem bem forte, com pressão, fiquei toda feliz quando abri a torneira pela primeira vez”, comemora Kelly, que resume em uma palavra o impacto do Programa Água Legal na vida da comunidade: essencial.
“Com a regularização da água e esgoto feitos pela Sabesp, as crianças não precisam mais ir tanto ao médico, melhorou 100%.”
Adriana Alves, líder comunitária de Pinheirinho 2, em São Paulo
Força feminina
Além de ser responsável pelos cuidados com a própria família, Kelly também se tornou líder comunitária quando foi morar na região, em 2013. Junto à Associação de Moradores e Amigos do Jardim Vila Nova União, ela ajudou a construir pontes de diálogo para a entrada das obras de saneamento. “Eu sempre achei que a Sabesp não entrava em ocupações, lugares que são irregulares. Por que iriam investir em uma área sem a certeza de que ela continuaria existindo? Mas o César, funcionário da Sabesp que sempre participava das reuniões da associação, comentava que era possível, que tínhamos direito à água tratada”, explica ela.
Com o Programa Água Legal, é cobrada uma tarifa social de R$ 10, em média, pelo consumo de 10 mil litros de água por mês e os moradores podem acompanhar o consumo de suas casas. “Quando a água vinha dos gatos, a gente tinha que desligar o registro geral para poder arrumar um cano na nossa residência, o que gerava um enorme transtorno com os moradores. Agora, cada um tem seu relógio, podendo realizar pequenos consertos sem preocupação”, conta Valbenice. A retirada das ligações clandestinas e o aumento da conscientização sobre o uso da água também ajudaram a reduzir desperdícios. “Antes da Sabesp entrar, tinha vazamento nas ruas diariamente. Hoje a gente não encontra mais isso”, relata Adriana. “As pessoas tinham uma mentalidade de esbanjar, lavavam o quintal com mangueira, deixavam torneira aberta. Agora, estão mais conscientes”, completa Kelly.
Além de melhorar a saúde das famílias, evitar desperdícios e contribuir para um futuro mais sustentável, o Programa Água Legal também promove a emancipação econômica, já que muitas chefes de família têm acesso, pela primeira vez, a uma conta no próprio nome. “Antes, a gente não tinha nem endereço, não tinha como abrir conta em banco, nada”, relata Valbenice. “Eu não tinha comprovante de residência, o que, hoje em dia, é como a carteira de identidade. Ficou mais fácil para arrumar emprego”, completa Adriana.
Com as melhorias proporcionadas pela Sabesp, Kelly conta que consegue se dedicar ainda mais às questões da comunidade em que vive: “Muitas mulheres são sozinhas, trabalham e cuidam dos filhos, assim como eu. É uma satisfação muito grande quando elas chegam até mim com alguma dificuldade e eu consigo ajudar. Virei quase uma psicóloga, tive que aprender a conversar, acalmar e tentar ajudar as pessoas”, diz a líder comunitária, que acredita que mulheres como ela tem um papel importante no cuidado coletivo: “Sempre que pensei em melhorar as condições do meu terreno, me esforcei para que desse certo para todo mundo.”
“Agora, a água não falta e vem bem forte, com pressão, fiquei toda feliz quando abri a torneira pela primeira vez”
Kelly Baeta, liderança da comunidade Araguaia, na zona leste de São Paulo
Saiba mais:
Lançado em 2016, o Programa Água Legal da Sabesp tem como objetivo levar água de qualidade a moradores da Grande São Paulo, que deixarão de se abastecer por meio de ligações clandestinas, que contribuem com enchentes, desabamentos e vazamentos que resultam no desperdício de bilhões de litros de água por mês. O programa já atendeu cerca de 600 mil pessoas. Em paralelo à regularização, o programa também estimula o uso consciente da água e promove ações sociais para redução da vulnerabilidade social das famílias, como oferta de cursos profissionalizantes, atuando de forma colaborativa com os moradores das comunidades atendidas.