Paulo Chapchap: Médico não precisa ser herói

por Redação

Ex-diretor do hospital Sírio Libanês e maior nome em transplantes pediátricos de fígado, ele comenta a série Sob Pressão, fala sobre Covid-19 e da importância da empatia entre médico e paciente

Antes de Paulo Chapchap ir à Universidade de Pittsburgh buscar técnicas para transplante de fígados em criança, no fim da década de 80, este tipo de cirurgia não existia no Brasil. Muitos pais eram então obrigados a procurar o procedimento fora do país. Hoje, sua equipe passa das oitenta cirurgias por ano – cerca da metade de todas as que são feitas por aqui –, a grande maioria bancada pelo SUS e com índices de sucesso que ultrapassam os 95%.

Incrivelmente, não é somente por esses números que Paulo é celebrado em sua área. Durante os últimos cinco anos, o que inclui o período mais grave da pandemia por Covid-19, ele esteve a frente do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, de onde nunca deixou de defender a maior participação de instituições privadas no atendimento público e o acesso de todos à saúde. "Nós precisaríamos prover o médico com todas as ferramentas e equipe para que ele possa usufruir da sua atividade profissional, de todo o reconhecimento que ela gera, mas não por atos de heroísmo e sim por um cuidado com as pessoas", conta.

Em abril deste ano, no entanto, Paulo deixou o setor de administração do hospital que o recebeu como estagiário de UTI, quando ainda cursava medicina pela Universidade de São Paulo (USP), nos anos de 1970. Pela mesma instituição de ensino, mais tarde, ele se tornaria Doutor em Clínica Cirúrgica. Atualmente, Paulo trabalha como conselheiro estratégico da Dasa, maior rede de saúde integrada do Brasil.

Em um papo com o Trip FM, o médico comentou a série Sob Pressão, falou sobre Covid-19, a importância da empatia entre médico e paciente e lembrou da luta por uma fila de transplantes mais justa. Ouça o programa no Spotify, no play nesta reportagem ou leia um trecho da entrevista a seguir.

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Trip. Eu tenho visto a série Sob Pressão, que é bastante elogiada, com aparentemente um alto nível de realidade, e na maior emissora do país. Você acha que isso é bom ou existe um perigo em criar essa ficção da figura do médico herói?

Paulo Chapchap. De uma forma geral é bom. A série tem uma boa conexão com a realidade, mas existe uma certa romantização no sentido de que o médico precisa ser um herói, precisa ir para o sacrifício pessoal. Isso acontece, não vou dizer que não, mas atos de heroísmo não deveriam ser o dia a dia da atuação do médico. Nós precisaríamos prover esse profissional com condições de trabalho, com todas as ferramentas, toda a equipe para que ele possa usufruir da sua atividade profissional, de todo o reconhecimento que ela gera, mas não por atos de heroísmo, e sim por um cuidado com as pessoas. Eu acho que é bom que a população conheça a realidade do Sistema Único de Saúde, mas é bom saber que os médicos não deveriam ser heróis, mas profissionais com uma atuação adequada. Algum grau de sacrifício vai existir, mas não a ponto de comprometer a sua saúde. 

Você ficou durante um grande tempo liderando uma das organizações de saúde mais famosas do Brasil. Existe hoje uma necessária pressão pela diversidade racial em qualquer organização, inclusive nos hospitais. Na posição de gestor de grandes instituições, como você vê o espaço de profissionais negros dentro dos hospitais hoje? Inclusão é muito importante, porque você traz uma diversidade que melhora muito a gestão das instituições. A gente fez uma curva forçada de inclusão nos cargos de liderança do Sírio Libanês. Você precisa de programas para possibilitar que isso aconteça. Normalmente quem vem de classes ricas acaba tendo acesso a uma educação superior mais privilegiada, mas você compensa isso amplamente com uma visão diferente de mundo e com dedicação. Você tem competências técnicas, mas também tem o comportamento e a atitude. A política de cotas, com a qual eu concordo, vai trazer mais possibilidades de inclusão nos cargos de liderança e vai favorecer muito a gestão dessas empresas.

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Há cerca de vinte anos a Trip foi chamada pela sociedade para apontar uma falha na fila de transplantes, que antigamente era organizada apenas pela ordem de chegada. Isso acabou sendo alterado. Mas e agora, funciona bem essa fila do transplante? Ficou muito bom. O que faltava na época era uma consciência de que ordenar apenas por tempo era uma injustiça e faltava também um indicador objetivo que comparasse gravidade entre diferentes pacientes e diferentes doenças. Se criou esse indicador, que não é perfeito, mas que leva em conta alguns resultados laboratoriais para prever o índice de mortalidade em seis meses se você não fizer transplante. Aqueles que indicam a maior probabilidade de morrer em seis meses entram na frente da fila. É uma escala contínua de pontuação e que estabelece algumas exceções, porque precisa: criança, por exemplo, ganha uma pontuação maior. Embora ele não seja um índice perfeito, ele é bastante bom. Essas listas são regionais, mas em casos extremos podem se tornar nacionais.

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Imagem principal: Divulgação

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