por Luciana Obniski
Tpm #114

Aos 29 anos, a diretora e roteirista transita livremente entre cinema, TV e música

Olhar certeiro. Aos 29 anos, a diretora e roteirista paulistana Vera Egito transita livremente entre cinema, TV e música. Ela planeja filmar seu primeiro longa, enquanto comanda a segunda temporada do programa Viva voz, no GNT, e prepara o novo clipe da cantora Tiê

Quem olha Vera Egito andando pela rua (andando mesmo, já que ela não dirige e prefere exercer o papel de pedestre no trânsito de São Paulo) não imagina que a mulher de 29 anos com cara de menina, olhos e sobrancelhas marcantes já quebrou um recorde no prestigioso Festival de Cannes. Ela é a única diretora da história da Semana da Crítica (uma competição paralela de curtas-metragens) a ter dois filmes exibidos no mesmo ano, em 2009. “Foi surreal. Recebi um e-mail do organizador do festival francês, Bernard Payen, perguntando se eu ficaria chateada se exibissem meus dois curtas, mas me impedissem de concorrer a prêmios por eu ter mais de um filme na mostra. Na hora, pensei: ‘Chateada? Querem passar meus filmes em Cannes!’”, lembra. Assim como as protagonistas dos curtas Elo e Espalhadas pelo ar, que têm um quê biográfico da vida de Vera e retratam meninas enfrentando o rito de passagem para a idade adulta, foi necessário uma catarse – a ida ao festival – para ela desabrochar de vez. O que mais ganhou? “Trabalho”, diz, rindo. “Mas, no fundo, é o que a gente quer, né? Ir a Cannes me possibilitou entrar de vez no mercado como diretora e emplacar minhas ideias com mais facilidade.”

Além dos cachês mais altos na Paranoid BR, braço brasileiro da produtora americana Paranoid US, em que Vera integra o time de diretores, ela também ganhou um grande amigo, o crítico francês que a projetou para o mundo. “Tudo que me arrepiou vendo os curtas-metragens dirigidos pela Vera Egito reside em alguns milímetros. Alguns milímetros separando dois corpos em uma cena de seus filmes. Feixes de luz. Amo o jeito que ela mistura amor, desilusão, morte e esperança”, derrete-se Bernard. A amizade dos dois evoluiu rapidamente, assim como acontece com a maioria das pessoas que Vera admira. “Quando conheço alguém interessante tenho vontade imediata de entrar no mundo dele e apresentar o meu. No começo do ano, fui para Portland, nos Estados Unidos, e me interessei pelo trabalho do fotógrafo Parker Fitzgerald. Peguei os contatos dele e escrevi um e-mail: ‘Oi, estou indo para Portland e adoro o seu trabalho. Vamos tomar um café?’. Desde então somos grandes amigos”, conta.

Amizade colorida

A lista que ela conquistou é longa e inclui pessoas de diversas searas, entre elas o músico Thiago Pethit, para quem Vera codirigiu o vídeo da música “Nightwalker”, um plano sequência gravado de madrugada em Higienópolis, com direito à atriz Alice Braga e a corpo de baile coreografado, todos amigos em comum. Sarah Oliveira é outro nome que de colega de trabalho passou a integrar a lista de amigos íntimos. “Sou grata por têla por perto. Também estou absurdamente orgulhosa por tudo que vem conquistando com seus trabalhos autorais tão belos e sensíveis”, diz. A amizade vem da parceria no Viva voz, que Sarah apresenta e Vera dirige, no canal pago GNT. O programa debate com personalidades, a exemplo de Ivete Sangalo e Malvino Salvador, como são e como seus fãs acham que eles parecem ser, foi elogiado pela direção do canal e já recebeu encomenda para uma segunda temporada.

Se engana, porém, quem acha que Vera só emplaca projetos “dos amigos”. Apaixonada por cinema desde os 14 anos, ela terminou o namoro do colegial para se dedicar aos estudos. Só prestou o vestibular da ECA-USP, pois não queria fazer outra faculdade, e demorou dois anos até ingressar no sonhado curso de audiovisual. No segundo ano da faculdade, ficou encarregada de organizar uma semana de apresentação aos calouros, que exibiria o longa Nina, de Heitor Dhalia. Foi então que Vera conheceu o homem que mudaria o roteiro da sua vida – que ela, até então, achava que pudesse controlar como se fosse de cinema. Estudiosa, Vera viu seu futuro acadêmico fugir da rota ao passar quatro meses sendo assistente de direção em O cheiro do ralo, que Heitor produziu com Selton Mello. Ela se lembra até hoje do comentário ácido de uma colega, que a diminuiu por estar atrasada em algumas matérias.

Os ajustes inesperados, porém, foram muito além do campo acadêmico. A parceria com Heitor Dhalia também cresceu de forma avassaladora e, já no ano seguinte, eles escreveram juntos o roteiro de À deriva, também com pitadas biográficas da vida dela. Um ano depois, o casal cruzava o tapete vermelho de Cannes já morando sob o mesmo teto. “O que acho que faz a Verinha uma extraordinária diretora – a isenção que vá às favas – é a paixão por cinema. E a única coisa imbatível é a paixão desenfreada e louca por aquilo que se quer fazer. A Verinha é uma diretora apaixonada e apaixonante, não apenas para mim, mas para todos que trabalham com ela”, declara-se Heitor.

Vera continua se referindo ao parceiro como namorado, porém. “Acredito em casamento e acho que é para a vida toda, mas não acho necessário dar uma festa ou assinar um papel para que isso passe a ser verdade”, explica. A cumplicidade no trabalho também continua crescendo e extrapola um simples rótulo. Vera acaba de terminar o roteiro de Serra Pelada, que assina com ele, a ser rodado no ano que vem.

O longa conta a história de dois amigos que vão à região mineradora, mas acabam se distanciando quando começam a enriquecer. Wagner Moura, que a princípio viveria o amigo bom, gostou tanto do roteiro que assumiu o posto de coprodutor e pediu para trocar seu papel pelo do antagonista. Mas, por excesso de trabalho, só poderá iniciar as filmagens no segundo semestre do ano que vem. “Desta vez vou assinar o roteiro com o Heitor, mas não quero ser nem assistente de direção. Aprendo mais só ficando ao lado dele. Fora que não dá para discutir com seu parceiro na frente de uma equipe inteira, né?”, argumenta. Enquanto as filmagens não começam, Vera se prepara para dirigir Guta Ruiz e Paulinho Vilhena em sua primeira incursão pelo teatro, na peça indie Midsummer, escrita no ano passado pelos escoceses David Greig e Gordon McIntyre, com estreia prevista para março. “Estou muito empolgada. É uma peça com música, mas não é um musical. É parecida com [o longa] Alta fidelidade”, explica. Vera também filma no mês que vem o próximo clipe da cantora Tiê, uma releitura flamenca para o hit de forró do Calcinha Preta “Você não vale nada mas eu gosto de você”, além de ter dirigido diversas campanhas publicitárias ao longo do ano. Mesmo assim, ela tem dificuldade em aceitar que 2011 foi produtivo.

Melancolia

A angústia vem da proximidade dos 30 anos, que Vera completa em abril do ano que vem. Ela gostaria de ter estreado seu primeiro longa, Maria Antônia, até o 30º aniversário e se impôs essa meta quando ainda estava na faculdade. O roteiro, que já está finalizado, conta a história do confronto de 1968 entre integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e da UNE (União Nacional dos Estudantes). “Sinto que deixei de lado esse projeto, que deveria ter sido minha prioridade”, diz. Vera não abandonou o projeto e, ao contrário, só espera arrecadar os R$ 6 milhões do orçamento para começar as filmagens. As sensações antagônicas, porém, aparecem em diversos momentos da conversa.

Vera é neta de avós religiosos (e muito presentes) e tem pais nada ligados a rituais. Nasceu e cresceu em São Paulo, no bairro do Brooklin, onde o pai, o fotógrafo publicitário Luís Vellez, mantinha um estúdio. A mãe, Giza, trabalhou com ele até a separação, que Vera lembra com clareza, quando tinha 12 anos. Ateia – mas nada cética –, ela crê na fé das pessoas, mas não nas regras de conduta impostas pelas religiões. Apesar de estar sempre rodeada de amigos, ela acredita no mito de que, desde que Adão cedeu à tentação e deixou de ser um só com Eva e o paraíso, o ser humano tem uma solidão irreparável. Sua religião seria o cinema, então? “Sim”, conclui. Dentre as diversas razões que poderia dar para ter escolhido seu ofício, a única que consegue elaborar é que, quando está em uma sala de projeção, sente essa distância do outro diminuir. “É como uma comunhão. Quando estou lá, não me sinto tão sozinha”, explica, com lágrimas nos olhos. “O mundo já viveu sem casas, sem carros, sem leis, mas nunca sem representação artística. Então, quando acho que estou sendo egoísta por querer gastar R$ 6 milhões fazendo mais um filme sobre a ditadura, lembro que talvez a arte seja a única necessidade do ser humano.” Vera acredita piamente nisso. E, como boa devota, faz de sua missão espalhar sua religião como puder. Daí a insatisfação crônica com o trabalho e a empolgação para fazer diversos tipos de projetos, sejam eles no teatro, na TV ou no cinema.

AGRADECIMENTO CASA LES AMIS – WWW.LESAMISCOZINHA.COM.BR
VERA USA VESTIDO MARIA GARCIA E COLAR PAULA VELOSO

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