Todos os dias nós, mulheres escritoras blogueiras, somos xingadas, ameaçadas de estupro e... acabamos achando isso normal. Mas não é.
“Sua vadia, você precisa é de um pau bem grande, sua arrombada. Aí você vai ver.” Desculpem o linguajar. Mas esse é apenas mais um dos comentários do meu blog. É rotina. Assim como outros, ele foi parar na caixa de “denunciar com Spam.” Eu li, bloqueei e nem contei para ninguém. E por quê? Ué, porque é normal. “Faz parte do meu trabalho”, digo para mim mesma. “É o preço”, tento me convencer. Enquanto, em mais um dia no escritório, alguém me chama de arrombada.
- Como foi seu dia?
- Ah, fui atacada no twitter por causa de um texto, mas normal.
Em geral não conto para amigos, namorado e familiares o que significa ataque. Quando conto, eles se chocam. “Como, quem é esse cara que te chamou de vagabunda? Como ele disse que vai te arrombar? Isso é crime.” “Deixa para lá, você não entende, é meu trabalho”, sorrio.
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Pensando em assédio, direito das mulheres e abusos, outro dia me perguntei se eu não banalizei totalmente a agressão, os ataques, as ameças. A resposta: claro que sim. Falo que é normal e rotina e parte do trabalho, coisas que definitivamente não deviam ser. Eu e todas as mulheres que “mexem com internet”. E não, não pode ser normal.
“Vixe é direto. 'vadia' e 'vagabunda' fazem parte do meu cotidiano. Eu faço assim: bloqueio de maneira geral e de vez em quando dou uma resposta como atitude pedagógica,”, diz minha amiga Cynara Menezes, do blog Socialista Morena. E me manda em seguida uma cópia de uma das mensagens que recebeu.”VAGABUNDA COMUNISTA, VOCÊ MERECE SER ESTUPRADA”. O cara disse isso para a Cynara, entre muitas, muitas outras coisas horríveis, racistas e criminosas. “Pois é, esse é o tipo de mensagem que recebo”, ela diz. E como isso faz parte da nossa vida, logo mudamos de assunto.
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Todo mundo sabe que blogueiras feministas como a Lola Aronovich são constantemente ameaçadas de morte. Que os ataques podem ser sérios. Mas espera, tudo isso já não é sério? Pois é.
Faço a mesma pergunta para Milly Lacombe e ela lembra de casos mais sutis, mas que considera, sim, assédios. “Acho que a gente banaliza porque foi estimulada a ter como elogio e galanteio, o que na real é abuso. Uma vez um menino, quando soube que eu era gay, disse: que desperdício. Eu quase achei legal, mas depois pensando melhor entendi que era ofensivo. Desperdício para quem? O foco é sempre ele, o macho.”
Lembro da querida Julia Petit falando em um debate em que participamos juntas, que para ser mulher que trabalha com internet a gente tinha que ser muito forte. “Não é para fracas”, ela anunciou para uma platéia de jovens meninas.
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Não, não é. Ser mulher e ter voz não é para fracas. Ser mulher no Brasil não é para fracas. Ser mulher e mexer com internet não é para fracas. Bem, ser mulher não é para fracas no geral.
E provavelmente alguém vai responder a esse texto da seguinte forma: “você é, sim, uma vadia que precisa de pau.” Dia normal no escritório. Não, não é normal. Não. Chega.