"Vadia, arrombada". A rotina de assédio da gente que mexe com internet

por Nina Lemos

Todos os dias nós, mulheres escritoras blogueiras, somos xingadas, ameaçadas de estupro e... acabamos achando isso normal. Mas não é.

“Sua vadia, você precisa é de um pau bem grande, sua arrombada. Aí você vai ver.” Desculpem o linguajar. Mas esse é apenas mais um dos comentários do meu blog. É rotina. Assim como outros, ele foi parar na caixa de “denunciar com Spam.” Eu li, bloqueei e nem contei para ninguém. E por quê? Ué, porque é normal. “Faz parte do meu trabalho”, digo para mim mesma. “É o preço”, tento me convencer. Enquanto, em mais um dia no escritório, alguém me chama de arrombada.

- Como foi seu dia?
- Ah, fui atacada no twitter por causa de um texto, mas normal.

Em geral não conto para amigos, namorado e familiares o que significa ataque. Quando conto, eles se chocam. “Como, quem é esse cara que te chamou de vagabunda? Como ele disse que vai te arrombar? Isso é crime.” “Deixa para lá, você não entende, é meu trabalho”, sorrio.

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Pensando em assédio, direito das mulheres e abusos, outro dia me perguntei se eu não banalizei totalmente a agressão, os ataques, as ameças. A resposta: claro que sim. Falo que é normal e rotina e parte do trabalho, coisas que definitivamente não deviam ser. Eu e todas as mulheres que “mexem com internet”. E não, não pode ser normal.

“Vixe é direto. 'vadia' e 'vagabunda' fazem parte do meu cotidiano. Eu faço assim: bloqueio de maneira geral e de vez em quando dou uma resposta como atitude pedagógica,”, diz minha amiga Cynara Menezes, do blog Socialista Morena. E me manda em seguida uma cópia de uma das mensagens que recebeu.”VAGABUNDA COMUNISTA, VOCÊ MERECE SER ESTUPRADA”. O cara disse isso para a Cynara, entre muitas, muitas outras coisas horríveis, racistas e criminosas. “Pois é, esse é o tipo de mensagem que recebo”, ela diz. E como isso faz parte da nossa vida, logo mudamos de assunto.

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Todo mundo sabe que blogueiras feministas como a Lola Aronovich são constantemente ameaçadas de morte. Que os ataques podem ser sérios. Mas espera, tudo isso já não é sério? Pois é.

Faço a mesma pergunta para Milly Lacombe e ela lembra de casos mais sutis, mas que considera, sim, assédios. “Acho que a gente banaliza porque foi estimulada a ter como elogio e galanteio, o que na real é abuso. Uma vez um menino, quando soube que eu era gay, disse: que desperdício. Eu quase achei legal, mas depois pensando melhor entendi que era ofensivo. Desperdício para quem? O foco é sempre ele, o macho.”

Lembro da querida Julia Petit falando em um debate em que participamos juntas, que para ser mulher que trabalha com internet a gente tinha que ser muito forte. “Não é para fracas”, ela anunciou para uma platéia de jovens meninas.

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Não, não é. Ser mulher e ter voz não é para fracas. Ser mulher no Brasil não é para fracas. Ser mulher e mexer com internet não é para fracas. Bem, ser mulher não é para fracas no geral.

E provavelmente alguém vai responder a esse texto da seguinte forma: “você é, sim, uma vadia que precisa de pau.” Dia normal no escritório. Não, não é normal. Não. Chega.

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