por Mara Gabrilli
Tpm #135

Revendo minha trajetória, chego a respostas para a pergunta: para que vim?

Revendo minha trajetória, contada por uma amiga, chego a respostas para a pergunta que sempre me fiz: para que vim?

Tenho lembrado muito das minhas crises suecas da adolescência. Eram questionamentos existenciais profundos, que me isolavam em pensamentos intrigantes, com dúvidas do tipo “para que vim?”. Duravam horas. Acho que nunca tive uma depressão, algo que me entristecesse a longo prazo e sem motivo. Se tivesse tido, com certeza saberia. É claro que dor com referência, endereço e desolamento já colecionei.

Hoje, sei muito bem para que vim. Talvez eu tenha inventado esse saber por pura precaução. Ou medo do vazio... O que eu não sei hoje, eu ainda não sei. Tenho tido oscilações controladas ao sentir uma fina felicidade, às vezes mais robusta, porém dentro de um espectro conhecido. As dores têm sido latejantes com aspecto de crise de essência. Mas são direcionadas, com propósito e causa.

A situação política, econômica e social do Brasil me desequilibrou um pouco. O presidente da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves, me designou relatora do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Projeto de profunda responsabilidade que trará um marco legal na vida desse segmento. Há 13 anos que esse estatuto tramita nas casas de lei, passando pelas mãos de deputados e senadores. Na época em que foi apresentado, fazia seis anos que eu tinha sofrido meu acidente. E eu nem sonhava em ser política.

Imagine a honra de finalizar esse processo, de dar voz ao povo em um documento que defende a igualdade e afirma o direito de ter direitos. De uma forma mais poética, eu enxergo como a hora de facilitar a vida das pessoas com deficiência e, por consequência, termos em mãos um documento de garantia de felicidade. Será que foi por isso que eu vim?

Errante, corajosa e vulnerável

Esse presente que o povo brasileiro me dá vem no mesmo momento em que revisito a minha própria história. Nunca pensei em contá-la em um livro. Isso parecia coisa de gente antiga, importante e morta. Homenagens póstumas. Até que uma editora me fez essa proposta. E, para traduzir em letras aquilo que eu, minha família e meus amigos tínhamos como registro de mim no imaginário, escolhi uma amada e talentosa colunista desta revista: Milly Lacombe. Foram quatro anos de encontros, principalmente jantares, tomando vinho e contando casos. Ganhei uma grande amiga. Que ainda veio junto com a esposa, a Buche, outra grande amiga!

Ler sobre uma personagem errante, corajosa, vulnerável e vencedora me deixou com mais desejo de emoções imprevisíveis. Como se olhar para trás sugerisse melhores escolhas. É sublime constatar como aprendemos com nós mesmos. Nesse enredo, revelando a mim mesma, reparei que quebrar o pescoço nunca foi a minha maior dor.

Talvez seja por isso que eu tenha vindo.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Pró­ximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br
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