Um amor de Pessoa

por Gabriela Sá Pessoa
Tpm #133

Aos 96 anos, a professora Cleonice Berardinelli segue ensinando sobre seu autor preferido, Fernando Pessoa

No início do mês, a Feira Literária de Paraty (Flip) foca olhares nos novos autores e apostas do mercado, mas muita gente deve se acotovelar mesmo é para ver a cantora Maria Bethânia ao lado da professora Cleonice Berardinelli, 96 anos e mais de 70 dedicados à obra de Fernando Pessoa. As duas vão recitar poemas do poeta português e comentar sua obra, e o evento deve trazer mais atenção a essa senhora que já poderia ser famosa há tempos, mas que começa a roubar os holofotes só agora.

Há apenas um mês e meio, dona Cléo (como os alunos a chamam) recebeu o título de doutora honoris causa da Universidade de Coimbra, uma das mais tradicionais do mundo. Em 2011, começou a organizar uma coleção de textos próprios e antologias de autores portugueses para a editora Casa da Palavra e, um pouco antes, em 2010, havia assumido a cadeira número oito da Academia Brasileira de Letras.

O que a visibilidade não trouxe, no entanto, foi pompa. Quando fala à Tpm, dona Cléo parece mesmo a menina espevitada das suas lembranças de infância, quando declamava poemas às dezenas. Sua história com a literatura se definiu quando, recém-saída do colegial, nos anos 30, os pais permitiram que ela seguisse os estudos em vez de casar. Por causa disso, se tornaria, em 1959, a autora do primeiro estudo sobre Fernando Pessoa no Brasil – o segundo no mundo.

Tornou-se professora de literatura e dá aulas até hoje, na PUC-RJ. O único momento em que parou para reavaliar a profissão foi no casamento, aos 37 anos (mais um ponto incomum!), com o médico Álvaro Berardinelli. Ela relembra: “Ele preferia que eu deixasse os alunos particulares e as turmas do ginásio. ‘E a faculdade?’, perguntei. ‘A faculdade não. É a sua vida’, ele disse”. O marido foi seu grande parceiro nos 35 anos que passaram juntos. “Tentei muito ter filhos, fiz vários tratamentos e tive dores horríveis”, lembra. A lição da professora não termina aí. “Sempre fiz o que amo e faço até hoje, quando posso. Sou uma das poucas pessoas ainda na universidade com quase 100 anos”, ri dona Cléo, que, neste mês, lança o livro Cinco séculos de sonetos portugueses – De Camões a Fernando Pessoa.

Vai lá: 11ª Flip – de 3 a 7/7, em Paraty, RJ, www.flip.org.brCinco séculos de sonetos portugueses – De Camões a Fernando Pessoa, ed. Casa da Palavra, R$ 44,90

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