Thaís Carla: A sociedade arranca nossa autoestima

Bailarina e influenciadora que quebrou tabus ao subir aos palcos requebrando ao lado de Anitta humaniza corpos gordos na internet

Com a descrição “militante da causa gorda” e um emoji de coração ao lado de seu nome, Thaís Carla, 29, deixa claro o que esperar de sua página no Instagram, com mais de 2,5 milhões de seguidores. Em seu último post, a influenciadora e dançarina, que despontou nacionalmente no “Se Vira nos 30” e, posteriormente, no Show das Poderosas, de Anitta, aparece com uma lingerie de coelhinha, desta vez em parceria com uma nova linha de produtos sensuais focada para pessoas plus size. “Do tamanho do seu prazer”, postou Thaís, ao lado do nome da marca, que além de embaixadora, também tornou-se sócia. Já em outra publicação, ela surge nua ao banho, com duas estrelinhas nos seios, com a legenda: “Liberte-se”. Mas não só. São também frequentes os posts em que aparece de sorriso largo ao lado de sua família, seu marido, o fotógrafo Israel Reis, e suas duas filhas, Maria Clara, de quatro anos, e Eva, de um. 

“As pessoas não gostam de ver ninguém feliz, muito menos uma gorda. Imagina uma gorda casada e com duas filhas? Incomoda muita gente”, rebate Thaís sobre os haters das redes, em conversa por videochamada com a Tpm. Apesar de já ter tomado remédio para emagrecer no final da adolescência, ela garante que nunca desejou perder peso. “Acho que fui obrigada, botaram na minha cabeça que eu só poderia ser uma bailarina de sucesso se eu fosse magra”, analisa. Nascida em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Thaís dança desde os quatro anos, quando a mãe a colocou em uma escolinha justamente como uma tentativa para perder peso. 

A dança virou paixão e, por ser a única criança gorda da turma e nunca ter visto bailarinas com o corpo como o seu em toda sua formação, Thaís jurou que seria ela a fonte de inspiração para uma nova geração de crianças. “Sempre me olhei muito no espelho, para ver se o movimento estava fluindo, se a altura da perna estava boa, sempre me encarei. Por conta disso tenho uma relação muito boa com o espelho. Isso foi fazendo eu gostar mais ainda de quem eu era. Todos nós nascemos com autoestima, a sociedade que arranca isso da gente”, acredita ela, que hoje mora em Salvador, na Bahia.

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Além de lidar com a gordofobia no dia a dia, ter dificuldades para comprar roupas, para sentar-se em bancos de restaurantes e bares e até mesmo para realizar procedimentos médicos simples como um raio-X, Thaís conta ter sofrido violência obstétrica com as gestações de suas filhas. “Se minha pressão estava alta, era porque estava gorda. Se meu ouvido estava doendo, era porque estava gorda. Na época, o parto de uma pessoa magra era R$ 5 mil. O meu, R$ 30 mil, porque minha pressão poderia subir, porque a neném poderia ir para a emergência ou eu poderia ir para a UTI. Eles só previam o pior. Mas nada disso aconteceu”, relembra. 

Vacinada com a primeira dose contra a Covid-19, Thaís questiona o preconceito que sofreram as pessoas com IMC (índice de massa corpórea) acima de 40, que tiveram prioridade na fila de imunização por fazer parte dos grupos com comorbidades. “Até quando temos o direito e somos privilegiados, digamos assim, estamos errados. Só de precisar ir ao médico pedir um IMC já é constrangedor. Tenho certeza de que muitas pessoas gordas não foram tomar a vacina por conta disso. Eu não estou nem aí. Tomei a minha primeira dose e quero mais é que todo mundo tome. É meu direito”, pontua. Ela ainda deixa claro a importância de influenciadores se posicionarem contra o que está acontecendo no país: “Fora Bolsonaro, com certeza, sempre que posso estou falando. É nosso papel porque a gente tem voz, tem seguidor, a gente tem que se posicionar. Porque esse governo é genocida, é maluco, é racista, é tanta coisa”. 

Tpm. Como foi a sua infância? Quais são suas memórias dessa época? 

Thaís Carla. Foi bem boa. Brinquei bastante de bola, de bicicleta, de queimada na rua. Tive uma infância gostosa, mas, ao mesmo tempo, já tinha obrigações com a dança. Nunca foi uma coisa muito solta. Minha irmã, Simone, era mais velha e já dançava. E eu quis fazer também. Minha mãe achou ótimo porque, naquela época, tudo era para eu perder peso, eu tinha que ter o corpo perfeito igual ao da minha irmã, que é magrinha até hoje. Depois que comecei a dançar, fiquei apaixonada. Mas sempre escutava piadinhas, que eu dançava bem, mas teria que emagrecer. E fui resistindo, sabe? Se eu gosto, vou continuar. Minha mãe falava para não me importar com o que as pessoas falavam. 

Onde você dançava? Era uma academia de bairro em Nova Iguaçu [Baixada Fluminense]. Fazia jazz e balé. Comecei com essa base. Depois fui para uma academia bem boa de jazz dance e jazz teatral, onde vi que realmente era algo que queria muito, mesmo sendo super ofendida. Eu não podia dançar música lenta, porque dava para ver as imperfeições do movimento, não podia dançar na frente, porque chamava muita atenção. Eu nunca estava na fila da frente. 

E como você se sentia? Eu ficava triste, mas como gostava muito de dançar, não me importava. Tinha na minha cabeça que aquilo ali era só uma passagem, eu não ia morrer dançando ali. Ninguém queria ver uma pessoa "fora do padrão", entre aspas, porque para mim não existe padrão algum. Achavam que eu tinha que ser como eles, que eu não me encaixava naquela realidade. Mas sempre fui nem aí, meu amor, vocês vão ter de me aturar. Sempre fui afrontosa. Não tinha síndrome do patinho feio. As pessoas até podiam me achar o patinho feio, mas eu não. Sempre tive muita autoestima devido a muitas conversas de minha família. Tive uma base boa. Eu já me enxergava como uma pessoa bonita, que só tinha que lutar pelos direitos. Sempre me olhei muito no espelho, para ver se o movimento estava fluindo, se a altura da perna estava boa, sempre me encarei. Por conta disso tenho uma relação muito boa com o espelho. Isso foi fazendo eu gostar mais ainda de quem eu era. Sempre fui de fazer o cabelo, a unha, de botar a barriga para fora. Todos nós nascemos com autoestima, a sociedade que arranca isso da gente. Na época eu sempre me questionava: “Nossa, todo mundo é magro, só eu não”. Era sempre assim, nos festivais de dança, nas escolas, em tudo. Mas sou assim e acabou. Não é um defeito, é como eu sou. 

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Você já tinha essa consciência toda na época? Ou isso só chegou mais tarde? Eu entendia que não era igual as outras crianças. Quando eu fiz 17 anos, comecei a achar que tinha que emagrecer. Posso falar para você que eu nunca desejei ser magra. Acho que fui obrigada, botaram na minha cabeça que eu só poderia ser uma bailarina de sucesso se eu fosse magra. Fiz muitas dietas, uma maluca que você só toma shake, era horrível. Você pode até emagrecer, mas não emagrece com saúde. Não fiz nada que fosse bom para o meu corpo. São dietas imediatistas. Depois fui entendendo que não é assim, que eu posso ser, sim, a Thaís que eu sou hoje. Que eu posso conquistar tudo do jeito que eu sou. 

Vi um vídeo em que você fala de remédios para emagrecer. O quão perverso essa indústria da magreza pode ser para todas nós?  Quando eu fui chamada para ir ao Faustão, em 2009, estava tomando sibutramina. E me fazia super mal, porque não comia, não dormia direito. E depois que o remédio acaba, você engorda tudo de novo. Mais que antes. 

Já passou por algum tipo de depressão por conta disso? Posso já ter passado por situações muito, muito tristes, o meu corpo gordo luta todos os dias, todos os dias ele precisa ser reconhecido, mas não posso dizer que fui triste. Você sempre vai me ver com esse sorriso no rosto. Quando eu fico mais para baixo, me desligo de tudo, vou ver um filme, uma série, vou para o mar. E já, já, estou boa de novo. 

Qual foi a influência da sua família em relação à construção de sua autoimagem? Meu pai era mais incentivador. A minha mãe tinha uma preocupação por causa dos outros, porque todo mundo falava para ela: “Essa menina está muito gorda”. E as pessoas não estão nem aí, elas falam mesmo e que se dane. Meus primos e tios eram horríveis. Deus é mais... Tanto que hoje não tenho nenhuma relação com a minha família. Só falo com meu pai, minha mãe e minha irmã. O resto, não. São mega preconceituosos. Alguns são religiosos e acreditam que ser gorda é pecado. Acham que eu sou gorda só porque eu como. É uma onda. Além de existir preconceito porque sou livre, falo sobre meu corpo, sobre sexo. Tinha uma prima que sempre foi a bonitona do rolê, o tipo que todos os caras queriam. E ela sempre acabava com a minha vida. Falava que eu não ia arrumar ninguém, que eu ficaria para a titia, que eu deveria me arrumar, emagrecer. Nossa, tanta coisa... Como hoje eu moro em Salvador, não tenho mais contato com ninguém dessa época. Minha bolha agora é outra. 

O que seus pais faziam quando era pequena? Minha mãe sempre cuidou da gente em casa, nunca trabalhou fora. Meu pai fazia de tudo, mas a função mesmo dele era cozinheiro. 

Eles tinham uma preocupação maior por conta do seu corpo em relação à sua alimentação? Sim, eram bem rígidos. Minha mãe sempre me botou para comer só frutas, legumes, filé de frango. Minha vida inteira foi isso... Até hoje. Minha mãe me faz acordar de manhã para caminhar. É por isso que eu digo, a pessoa é gorda não por comer, ser gordo é a sua forma física, sua genética, você veio assim. Muitas pessoas não entendem. E a mídia coloca o tempo todo que as pessoas só são gordas porque comem, porque é preguiçosa. E quem convive comigo sabe que não tem nada a ver com isso. Quando era mais nova só me deparei com amigos horríveis, preconceituosos. Por conta disso, acabei me apegando à dança. Era uma forma das pessoas me enxergarem. Estava todo dia na aula, fazendo, fazendo... 

Você dançava todos os dias? Todos os dias. Dos 13 aos 20 anos dancei das 14h às 22h. 

Quando estava na escola de dança, sentia falta de ter corpos como o seu representado em outras dançarinas? Nossa, muito. Mas por outro lado me deu mais gana em querer ser a Thaís de hoje. Como não me via, coloquei na cabeça que tinha que representar essas pessoas. Quando participei do Domingão do Faustão, tinha 17 anos, e as pessoas me perguntavam: “Quem você se espelhou para dançar”? Eu falava: “Gente, em ninguém. Você conhece algum bailarino gordo”? Aliás, você conhece algum gordo maior de sucesso? Não tem. E quando tem, fazem ele fazer bariátrica. Então pensei que precisava chegar num nível em que pudesse representar uma nova geração de crianças, que elas pudessem se ver. O nosso corpo gordo é muito marginalizado. É desumano o que eles fazem com as pessoas gordas. Se você for ver, a maioria das celebridades que eram gordas, emagrecem. 

Assisti hoje a esse vídeo do “Se Vira nos 30”. A plateia vai ao delírio, todo mundo fica em pé, aplaudindo... Imagina, uma pessoa gorda... Eu era um pouco mais magra naquela época, mas era uma pessoa gorda, de short jeans, com a barriga aparecendo, fazendo aquelas coisas. Passou um 360 na cabeça das pessoas. Foi muito sensacional. 

Sua carreira na mídia começa depois de ter aparecido Faustão? O que esse dia marca para você? Sim. Esse dia representa a libertação do meu corpo. O dia em que pude educar um pouco os olhos das pessoas de que os gordos são capazes. Muitas pessoas se reconheceram e fiquei muito feliz. Depois dali as coisas mudaram da água para o vinho. 

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Como surgiu o convite para dançar com a Anitta? Eu dançava no programa do Marcos Mion [Legendários] e um dia a Anitta participou com o Show das Poderosas. Começamos a conversar e passamos a nos seguir no Instagram. Depois dancei no “Criança Esperança”, em 2016, e a produtora da Anitta me chamou para dançar. Foi sensacional, outro grande boom na minha vida. Acho que meu ápice foi ser bailarina de uma cantora que é mundial hoje em dia. Viajei para o Rock in Rio Lisboa, fui para o México dançar. Imagina? Uma pessoa gorda maior dançando com uma cantora com quem as pessoas de corpo padrão queriam estar? Pô, isso revolucionou. Eu sempre digo que o meu trabalho vai além de dançar e de ser blogueira. É um trabalho social.

E político, né? É... Meu corpo é um ato político. Eu faço as pessoas refletirem e é isso é o que eu gosto, de mostrar para as pessoas que elas podem, sim, ter uma vida. Quando eu dançava com a Anitta sentia que muita gente ficava feliz em me ver lá porque quebrei um tabu para bailarina. Tanto que depois disso muita gente começou a botar outras pessoas gordas dançando. 

E muita gente que era gorda e não se sentia no direito de dançar passou a querer dançar? Sim! A gente vê muitas pessoas hoje em dia fazendo aula de zumba, de balé. Também vejo empresários botando bailarinos gordos em boates. Antes não existia esse espaço. 

Quando a gente coloca o seu nome no Google a primeira coisa que aparece é: Thaís Carla peso. Por quê? As pessoas ficam loucas, alucinadas querendo saber meu peso. Parece que o meu peso é uma utilidade púbica. Nem eu sei, elas vão saber? 

Você não é daquelas que ficam se pesando? Oxe, nem lembro da última vez em que me pesei na vida. Acho que foi na gravidez da Eva. E só me pesei por conta do médico, eu nem queria saber. E uma coisa que recomendo: quebre a sua balança, porque num dia você vai estar mais inchada, no outro menos... Nosso corpo é uma loucura. Desde quando aqueles números são baseados em você ser feliz? 

Como se os números refletissem a sua saúde, né? Sim! E são coisas muito diferentes. Se a pessoa magra tem diabete, é porque aconteceu. Se eu tenho, é porque sou gorda. Só por causa disso. E aí entra também a gordofobia médica, que incentiva pessoas gordas a serem preconceituosos com elas mesmas. 

Você passou por isso com as suas gestações? Sim, sofri bastante. Se minha pressão estava alta, era porque estava gorda. Se meu ouvido estava doendo, era porque estava gorda. Tudo porque sou gorda. No parto da Maria eu não tinha condição financeira alguma. Então fiz tudo pelo SUS, no Rio. A Eva tive em Salvador, e já estava com um pouco mais de condição. Tentei guardar dinheiro para ter ela no particular, mas precisava de uns R$ 30 mil. Porque, na época, o parto de uma pessoa magra era R$ 5 mil. O meu, R$ 30 mil, porque minha pressão poderia subir, porque a neném poderia ir para a emergência ou eu poderia ir para a UTI. Eles só previam o pior. Mas nada disso aconteceu. 

E você pagou esse valor? Não paguei e tive num hospital público de Salvador. Não tinha como arcar. 

Você queria tentar um parto normal ou eles já te enquadraram em cesárea por conta do peso? Tanto da Maria quanto da Eva não teve discussão, já falaram que seria cesárea por eu ser gorda. Com menos de 40 semanas já me mandaram para o hospital. Não me deram nem escolha. Sendo que todas as minhas gestações foram tranquilas. Na primeira gestação eu queria ter um parto normal. Depois desencanei, porque, né... Vou fazer o quê? Dar porrada em médico? 

Quando passou a usar o seu corpo com uma arma política? Qual foi esse momento de virada? Depois que entrei para a Anitta, comecei a militar mais. Sempre lutei contra a gordofobia, só que eu não sabia o nome de fato. Desde que fui ao Faustão comecei a querer falar, queria botar para fora, mostrar que as pessoas gordas podem, sim, fazer as coisas. Eu só não tinha muito entendimento. Fui uma pessoa pobre, não tinha acesso à tecnologia, não tinha computador, fui ter celular lá pelos meus 18 anos de idade. Era muito difícil para mim ter acesso a isso tudo, ainda mais vivendo na bolha da dança, onde as pessoas só falavam em emagrecimento e vomitar. Quando a internet entrou na minha vida foi a chave de virada. Passei a conhecer uma galera que já vinha falando sobre isso. Tem também muita gente que fica falando de body positive e não tem uma dobra na barriga. São pessoas que não têm problema para se sentar, para comprar roupa, para ir ao médico. Porque nem a saúde está preparada para atender nossos corpos. Quando precisei de um raio-X da coluna, o cara teve que tentar um milhão de vezes porque a chapa não dava para mim. Os equipamentos não estão preparados. Para você ver, até na própria medicina existe um padrão. 

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Foram as redes sociais que te propiciaram essa luta contra gordofobia? Com certeza. Passei a enxergar isso com uma profissão. O Instagram me ajudou a me desinibir, porque você sabe, né, bailarino só sabe falar com o corpo. Para falar com a voz precisa de um trabalho (risos). Fui me aprimorando e estudando. 

As redes sociais têm um lado bastante tóxico e perverso das pessoas se compararem com essas blogueiras de padrão inalcançáveis, mas também traz esse outro lado, de permitir mais acesso a opiniões e perfis como o seu, que pode ajudar muita gente. Sim, mas o problema desses perfis que falam de plástica, de fitness, é que eles são muito mais impulsionados e se tornam muito maiores. Já quem está fora do padrão na rede social vai ser muito menos impulsionado. O algoritmo das redes sociais em si é preconceituoso. A publicidade é preconceituosa. Eles querem representatividade, mas não colocam uma gorda maior, colocam uma gorda curve, no máximo. 

Você já teve fotos de seu corpo apagadas ou denunciadas pelo Instagram? Já, muitas vezes. Mas sabe o que eu faço? Mando uma mensagem para eles na hora perguntando o motivo de outras pessoas poderem postar e eu não. Teve uma foto de Dia dos Namorados que fiz com o Israel, em 2019, que ele segurava meus seios, com as mãos na frente. Essa foto foi apagada. Logo depois vi que a Gracyanne Barbosa tinha feito uma igual, mas a dela não foi apagada. 

Por que você acha que seu corpo incomoda tanto? As pessoas não gostam de ver ninguém feliz, muito menos uma gorda. Imagina uma gorda casada e com duas filhas? Incomoda muita gente. Tem mulher que pensa: “Por que eu que sou uma Barbie, plastificada, estou sozinha”? Acho justamente que é hora das pessoas deixarem a inveja de lado e abrirem a mente. Por que você precisa seguir um padrão se pode ser feliz do jeito que é? Com o nariz grande ou pequeno, com o cabelo crespo ou liso, com a pele que tiver. As pessoas têm que entender que a vida é uma só, o corpo é um só. Cada um tem que viver sua própria vida. A ditadura da beleza sempre propôs que o gordo precisa ser marginalizado, desumanizado. Desde que sou criança escuto que ser gordo é feio. Às vezes vejo algumas meninas me ofendendo me chamando de gorda, como ser gorda fosse sinônimo de feia, de mulher relaxada, de quem não gosta de se cuidar. E não é isso. Estou aqui para quebrar com esse estereótipo. 

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Vou ler alguns dos comentários tirados do seu Instagram: “Passei a amar meu corpo depois que comecei a te seguir, me inspiro em você”, “minha libertação foi ver como você se ama e hoje sou apaixonada por mim”. São muitos comentários como esses. Como isso bate em você? Isso é o que me faz trabalhar todos os dias, que me faz acordar, que me faz dançar, que me faz produzir conteúdo. É a força deles. Tento trazer algo de bom para a vida deles, sem que as pessoas precisem comprar o melhor batom, a melhor roupa ou fazer uma cirurgia. Elas podem simplesmente serem elas. E um conselho: siga pessoas que te fazem o bem. Porque tem pessoas muito tóxicas por aí. Estou aqui para mostrar o oposto, que a pessoa pode ser feliz com o corpo que tem. É uma luta falar sobre os direitos das pessoas gordas, sobre o body positive, isso me inspira.

Como você define o body positive? É totalmente diferente gordofobia. Gordofobia são pessoas que têm nojo sobre as pessoas gordas e não a humanizam. Body positive é você se aceitar do jeito que você é, magro, gordo, negro, branco ou albino, o que for. E a aceitação vai além de ser gordo. Muitas vezes a pessoa pode ser “perfeita”, porque para mim não existe perfeição, mas quando vamos conversar com elas, nunca estão satisfeitas com a sua imagem. Reclamam do cabelo, do nariz... 

Quais dificuldades você lida em seu dia a dia em uma sociedade que não está preparada para receber o seu corpo? Todos, todos, todos. É que eu sou caruda e vou viver minha vida. Mas sou invisibilizada o tempo inteiro. Não tenho acesso a cadeiras, a bancos, à saúde, a roupas. Se vou a um barzinho preciso me preocupar se vou ter onde sentar. Mas eu estou ali para falar: “Ó, isso não tá legal, tem como você trocar minha cadeira?". As pessoas têm vergonha, óbvio, porque é constrangedor. Mas se não saio de casa para fazer isso, ninguém vai saber que a pessoa gorda também pode e deve ir, ela tem que resistir. 

Você tem dificuldade para comprar roupas? Quantas lojas você já foi que tinham plus size? E quantas lojas você foi que tinham o seu tamanho? Todas, né? Eu não tenho. O mercado já melhorou bastante, a moda plus size cresceu, além da minha condição financeira ter mudado. Mas muitas dessas marcas não vestem até os tamanhos 60, 70. A maioria vai até 54. Elas acham que o gordo só vai até 54. E ainda são muito caras. Quando eu era mais nova, as marcas iam no máximo até o 44. Eu precisava comprar calça e casaco de homem. 

Por isso também decidiu ser sócia de uma marca de produtos sensuais e eróticos para pessoas plus size? Sim. Existe uma carência no mercado erótico quando se trata de fantasias e lingeries para pessoas gordas. Nas propagandas, a maioria das modelos é magra. Ainda que já existam produtos com o tamanho plus size, eles não contemplam todos os corpos, como o meu. Como se as gordas maiores não existissem. Meu objetivo é levar autoestima e proporcionar liberdade sexual para as pessoas gordas, já que por muito tempo fomos excluídas desse segmento. Estou super feliz em fazer com que muitas mulheres se sintam bem consigo mesmas e se sintam desejadas, com roupas confortáveis e bonitas feitas para seus corpos.

Quando você recebe algum comentário de haters, como reage? Responde, ignora? A melhor coisa é ignorar porque eles querem a sua atenção. Sem atenção, eles param depois de um tempo. Mas minha resposta para qualquer um deles é: “Eu vou viver, vou resistir, meu amor”. 

Essa gordofobia foi muito sentida recentemente em relação à vacina de Covid-19. Vi muita gente criticando a prioridade de pessoas com IMC elevados, como se ser gordo fosse uma escolha. É isso. Até quando temos o direito e somos privilegiados, digamos assim, estamos errados. Só de precisar ir ao médico pedir um IMC já é constrangedor. Tenho certeza de que muitas pessoas gordas não foram tomar a vacina por conta disso. Eu não estou nem aí. Tomei a minha primeira dose e quero mais é que todo mundo tome. É meu direito. Mas não fiquei lendo muito sobre isso, não. Eu trabalho na internet, mas eu não a consumo. Não fico nela. Posto, faço tudo o que tenho pra fazer e me pico, vou brincar com as crianças. 

Você acha que a sua vida mudou muito depois de virar mãe? Cara, eu amadureci muito, muito, muito (risos). Entendi que nunca mais vou dormir e que tudo que eu faço daqui para frente é pensando nelas. Quero montar um mundo que seja melhor para elas. 

A maternidade ainda é muito romantizada? Eu sempre falo para as pessoas não ficarem botando que é lindo, que é maravilhoso, porque tudo tem seus prós e contras. Essas blogueiras ricas que têm bebês e têm o corpo perfeito, fazem lipo, têm mil babás. Mas a grande maioria não tem dinheiro para isso. Nas minhas redes mostrei a realidade. O bebê faz cocô em cima de você, tudo o que você faz é primeiro para eles. Eu nem lembro mais que horas eu comi, acho que só tomei café da manhã hoje [já eram 17h]. Esses dias uma delas estava resfriadinha e já fiquei cheia de neuras. Toda hora limpando o nariz, fazendo nebulização, dando remédios, colocando casacos.

Vocês têm alguma ajuda para cuidar delas? Não. Só eu e meu marido. Quando estamos em Salvador, às vezes a gente deixa um pouquinho na casa da mãe do meu marido. 

 

Por que deixou o Rio e se mudou para Salvador? Me mudei em 2019 porque queria novos ares. Sempre fui muito apaixonada pela cultura de Salvador, acho incrível, me arrepia inteira. A família do meu marido também é toda de Salvador. Mas se tudo der errado, me pico para outro lugar. Sem problema algum. Vou para onde a vida me levar. 

Um dos vídeos em seu canal no YouTube com mais visualizações é sobre a construção da sua casa, no litoral de Salvador... Acho que é um sonho do brasileiro ter a casa própria. Tudo que for de obra o povo gosta. Uma mulher gorda fazendo uma mansão, então, tem também tudo isso, né? Mas está complicado. A construção está indo de pouquinho em pouquinho. Se tenho dinheiro já coloco na casa. Nem vejo a cor. 

Acredita que é papel dos influenciadores falarem sobre o que está acontecendo nesta pandemia? Qual a importância de pessoas com grande alcance se posicionarem contra esse governo? Super. Fora Bolsonaro, com certeza, sempre que eu posso estou falando. É nosso papel porque a gente tem voz, tem seguidor, a gente tem que se posicionar. Porque esse governo é genocida, é maluco, é racista, é tanta coisa... 

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Imagem principal: Divulgação

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