“Não sou mulher de projeto engavetado”

por Rodrigo Grilo

Fabiana Karla atua, produz, dirige, escreve e é mãe de três. A pernambucana sabe da própria força e transforma seu talento, e suas curvas, em inspiração para outras mulheres

A pernambucana Fabiana Karla tem fome de se comunicar e está cheia de compromissos programado para este ano. Faz pouco mais de um mês que a artista voltou a figurar no elenco de uma novela depois de cinco anos sem um papel fixo em produções do tipo: está no ar em Verão 90, da Globo, a quarta de sua carreira. Madá é o nome da sensitiva meio milongueira – de pegada semelhante à vidente que Whoopi Goldberg deu vida em Ghost: Do Outro Lado da Vida – que Fabiana interpreta no folhetim das 19h.

Além de dar conta de Madá, a atriz tem pela frente, em 2019, os lançamentos de seu terceiro livro, Mães com Açúcar, com depoimentos de pessoas, algumas famosas, sobre a relação com suas avós e as receitas delas, e, nos cinemas, Uma Pitada de Sorte e Lucicreide vai pra Marte – comédia na qual atua e assina a produção e que foi rodada, entre outras locações, no Centro Espacial da Nasa, em Orlando. “Eu não sou mulher de projeto engavetado”, diz. Ela ainda encontrou tempo pra brilhar no desfile de Carnaval do tradicional bloco Galo da Madrugada, em Recife, que a escolheu como uma das homenageadas deste ano.

Fabiana está com 43 anos. E o humor que lá atrás lhe serviu de passaporte para o estrelato – ela despontou, em 1991, ao ganhar o prêmio de melhor atriz no Festival Viva Elo com a criação da personagem Lucicreide, uma faxineira pernambucana –, fechou com a autoestima de uma forma que, juntos, não têm pra mais ninguém.

“Estou ansiosa para mostrar essas curvas perigosas”, escreveu recentemente em uma postagem no seu Instagram, abaixo de uma foto sua de lingerie da marca da qual se tornou garota propaganda. “Eu sempre me dei bem com as minhas formas. Se eu quisesse ficar magra, já teria feito cirurgia de estômago, concorda? Oferta não falta. Hoje, aos 43 anos e com 94 quilos, inspiro muito mais pessoas do que quando eu tinha 25 anos e pesava 60.”

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Bora lá deixar Fabiana – já que ela gosta – falar mais um pouco. Saca só o papo que a atriz teve com a Tpm.

Está revisitando os anos 90 por meio da sua personagem na novela da Globo. Você tinha 15 anos quando aquela década começou. Do que você mais se recorda daquele período Sim, os melhores anos de nossas vidas! Você se lembra do come-come [jogo de arcade lançado no Japão, em 1980, o Pac-man se transformou um fenômeno da cultura pop e arrecadou até o fim da década de 90 US$ 2,5 bilhão]? Meu Deus, não me esqueço do Pogobol [lançado pela Estrela, em 1987], porque eu nunca conseguia ficar em pé nele direito. Também tive tendinite no dedão de tanto brincar com o Aquaplay [lançado no Brasil, em 1984]. Na minha memória estão as bandas Eraser, A-ha, Petshop Boys, Rick Astley, Information Society, Dr. Silvana & Cia, Titãs, Ira!, Nenhum de Nós. Chorava horrores com Capital Inicial! E as festa que aconteciam nas garagens de casa eram animadas com Legião na veia! Adorava dançar Adocica, do Beto Barbosa, e aquela lambada da banda Kaoma: "chorando se foi quem um dia só me fez chorar". Outra que era de rasgar a pulseira era Loco Mía (grupo espanhol). Eu tinha uma mochila Company que eu amava e usava pulseiras de cadarço coloridas. Bebia Crush. Você lembra do Dipnlik, aquele pirulito com pozinho?

Sim, foi também uma década com impeachment de presidente da República, morte do Senna, tetracampeonato da Seleção, retomada do cinema nacional. O momento histórico mais marcante para mim foi o acidente e a morte do Ayrton Senna. Lembro da comoção das pessoas nas ruas. O tetra foi outra coisa louca, mas de maneira diferente: a gente se rasgava na rua! E lembro que fui eleita melhor atriz no Festival Viva Elo, em 1991, com a Lucicreide. Teve um workshop com elenco e direção de Verão 90 para a gente se inteirar mais do processo. E quando vi o vídeo da promoção da novela senti o cheiro daqueles anos. Era o verão colorido que eu via na tevê, com Chacrinha, Rock in Rio... Aí, em 1997, 1998 e 1999, dei à luz aos meus filhos Beatriz, Laura e Samuel. Ganhei uma plateia, porque eu sentava os três na minha frente e falava, contava histórias, encenava, cantava. O banho dos bebês virava uma cachoeira. Era tudo tão lúdico.

Começou a década de 90 como adolescente e terminou no papel de mãe. Nossa, não tinha dado conta dessa curva! Eu cheguei a ir para a rua com a cara pintada, pedindo o impeachment do presidente Collor. Vivi alguns movimentos sociais daquele celeiro político importante que é Recife. Hoje, tento desacelerar, correr de agitação. Sou da ioga. Quando você tem um campo de guerra, uns vão para o front e outros ficam na retaguarda. Estou, hoje, na oração, pensando positivamente, tentando fazer o meu melhor como cidadã. Tanto que, ano passado, ganhei a Palma de Ouro de Assis, na Itália, uma comanda [já recebida por, só para citar três figuras notórias, Michael Jackson, Andrea Bocelli e Nelson Mandela] oferecida pela Confederação Internacional dos Cavaleiros da Paz, a personalidades que se destacam na promoção do diálogo e da paz. Levaram em conta o fato de eu apoiar, em Recife, o Grupo de Ajuda à Criança Carente com Câncer e participar de projetos de desenvolvimento sustentável a pequenas comunidades promovidos pelas startups Ecotelhado e Giral. Busco esse tipo de paz. E a Madá de Verão 90 veio para coroar tudo que eu planto na vida desde adolescente. Os anos 90 são inesquecíveis e deixaram uma tatuagem em mim.

Como era a configuração da sua família naquela época? Minha mãe sempre gostou de receber pessoas. Brinco até hoje que a nossa pensão nunca fecha. Ao todo somos oito filhos. Eu, Renata e Roberta por parte de mãe. Fernanda, Ana Paula e Bel, do primeiro casamento do meu pai – e Henrique e Priscila, do último casamento dele. E papai é um homem disposto e feliz (risos)! É uma família grande e todo mundo é muito bem humorado. Vivíamos sob um mesmo teto eu e as gêmeas, Renata e Roberta. A gente fazia circo na rua de casa. Cada pessoa cumpria um papel: tinha o mágico, o ajudante dele, eu, que era a hostess, enfim, a rua toda se envolvia. Eu soltava pipa, jogava bolinha de gude, brincava de queimada, barra-manteiga. Morávamos no bairro Estância e ia a pé para a escola. Lembro muito da padaria do Seu Maia e o sonho cheio de creme que comia enquanto encarava essa caminhada. Eu sempre tive boas notas e era enturmada: me dava bem tanto com a galera do fundão quanto com a da frente. E toda segunda-feira, às 5 da tarde, a garotada se reunia em minha casa para ver os filmes da Sessão da Tarde, como De volta para o Futuro, Curtindo a Vida Adoidado.

Mães com Açúcar é o título do seu terceiro livro, que será lançado este ano e trará receitas das avós das pessoas que você ouviu. De onde veio a inspiração para a escolha do tema? Eu amava ficar horas na cozinha com a minha avó porque ela tinha um depósito de panelas velhas. Aquele ambiente era tipo Nárnia! Eu também sou acumuladora; tento me libertar disso. Mas confesso: adoro uma panela velha. Zulmira é o nome dela, com a letra “L” hein? Se você esquecer do “L”, ela morre! Ela tem 92 anos e conta histórias com um dom incrível. É destaque em qualquer lugar que chega. A falta de conhecimento de minha avó sobre algumas coisas não lhe faz falta alguma, porque ela soube viver. Então, me inspirei nela. Por que o que é uma avó? É uma mãe com açúcar, né?

Como o livro será estruturado? É um livro de receitas disfarçado a partir de depoimentos de vinte pessoas com boas histórias com suas avós, independentemente de serem famosas ou não. Uma receita já é algo recheado de amor, afeto. Espero que cada um que folheie o livro sinta o cheiro da casa de sua avó. Eu lembro da minha bisavó Laura fazendo almôndegas em sua cozinha gigante depois de moer a carne em uma máquina, que ficava presa a uma mesa. Eu adoro cozinhar e gosto de comida para encher a barriga mesmo, adoro fazer feijão. Não tenho aquela coisa de preparar o mise em place, de servir comidas rebuscadas, mas em casa sempre faço cuscuz para receber pessoas que eu amo.

Qual a receita inesquecível feita pela sua avó? O cuscuz com leite e pau de canela. Eu a ajudava a fazer; sentava e posicionava o ralador de coco entre as pernas para ralar. A minha avó me levava para cozinhar e sempre passava no meu rosto o dedo “sujo” de ingredientes. Essas coisas são marcantes. Fazia também uma senhora cocada! E no meio disso tudo contava histórias de pessoas que haviam fugido da cidade, de amores impossíveis com riqueza de detalhes, descrevendo os cabelos longos das mulheres e por aí vai. Por isso tudo, o critério que adotei para alguém ser personagem do livro foi a lembrança de uma receita que o faz lembrar da avó, ainda que aquela comida não fosse tão boa e a pessoa era obrigada a comer. Porque há afeto envolvido no processo. A atmosfera é mais importante. No livro haverá fotos de todas as pessoas ao lado de suas avós.

Você foi uma doce neta para a sua avó? Lembra do comercial da Doriana, que tinha uma boquinha e dois olhinhos estampados no rótulo? Um dia, abri uns 20 potes de margarina dela e desenhei os olhinhos e a boca em todos. Vovó quase morreu de raiva! Eu sou a neta mais velha, fui muito mimada. Ela me levava para passear no Recife antigo e, em meio aqueles pisos portugueses, conversava comigo, contava histórias. Era lindo!

Antes de Mães com Açúcar, você já havia lançado um livro de crônicas, um infantil e um documentário que foi premiado em Los Angeles. Como é trafegar por literatura, tevê e cinema, às vezes ao mesmo tempo? A vida me inspira muito. E eu não sou de mulher de projeto engavetado. Em um voo, eu senti vontade de deixar algo para as crianças e comecei a fazer uma rima que falava do desaparecimento do Galo da Madrugada. Aí pensei em publicar as ideias em forma de cordel e assim nasceu o infantil O Rapto do Galo. A ilustradora Rosinha Campos, de Recife, que já foi premiada com o Jabuti, foi convidada e ilustrou as histórias do Carnaval de Pernambuco. O livro é de 2014 e ficou apaixonante para crianças e para adultos, porque tem referências de xilogravura, cordel contemporâneo. Foi lançado também nos Estados Unidos e em Portugal e selecionado pelo PNDL (Programa Nacional do Livro Didático) para alunos do ensino fundamental. Já O Caso Dionísio Diaz é um documentário que conta a história de um menino uruguaio de 9 anos que, em 1929, presenciou o assassinato de sua mãe e de seu tio pelas mãos do avô. Ele ficou conhecido como o herói de Arroyo de Oro. Eu e o Chico Amorim assinamos a direção do filme, que é de 2016 e foi premiado pelo Los Angeles Brazilian Film Festival, na categoria “melhor documentário”. Olha, eu já plantei árvore, escrevi livro e tive filhos. Quero fazer muito mais ainda.

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Recentemente, você posou de lingerie para a campanha de uma marca e é uma referência no mundo Plus Size. Como lida com o corpo? Eu sempre me dei bem com as minhas formas. A saúde sempre foi o meu foco, mais do que a estética. A maturidade e o conhecimento de produtos e alimentos saudáveis são fortes aliados meus nesse processo. Hoje, aos 43 anos e com 94 quilos, inspiro muito mais pessoas do que quando eu tinha 25 anos e pesava 60.

Não sente, às vezes, algum tipo de patrulha? Eu tenho ficado sem jeito, ultimamente, porque muitos tentam emplacar uma coisa que não ocorreu: eu não perdi 20 quilos para fazer a Madá. Pô, eu já estaria esquálida se perdesse 20 quilos a cada vez que fosse viver uma personagem! Aconteceu o seguinte: durante a gravação de Lucicreide vai pra Marte, eu descobri um problema na vesícula e a retirei. Aí adotei uma alimentação balanceada e me alimentava no trailler. Eu cuido muito da minha saúde. Tenho uma nutricionista, a Luna Azevedo, que curte o natureba. Fico no set, às vezes, das quatro da manhã até às oito da noite – sem falar de quando tenho de invadir a madrugada – e não posso comer qualquer coisa. Se a alimentação pesar no estômago, compromete o meu trabalho.

O que a balança aponta nunca foi uma questão para você? Se eu quisesse ficar magra já teria feito cirurgia de estômago, concorda? Oferta não falta. Eu poderia pedir dicas para o Leandro [Hassum, comediante que eliminou 65 quilos], para o André [Marques, ator e apresentador que emagreceu 70 quilos]. A minha filha, inclusive, já fez cirurgia bariátrica. Mas eu não me identifico com método. Tô me sentindo muito bem na forma que me encontro. Seguir firme em uma alimentação saudável, tranquila, é mais importante. Eu não sou nada sedentária. Sempre joguei vôlei, basquete, nadei. Ando de bicicleta e tenho uma pessoa que vai em casa fazer massagem para manter o tônus da pele. Faço drenagem, aula de dança e adoro musculação desde adolescente. Tenho equipamentos de exercício físico em casa e malho com o meu noivo [o relações públicas Diogo Mello, de 28 anos]. Curto muito isso.

Quais as bases de sua alimentação? Se eu pudesse voltar atrás, teria me esmerado mais em adquirir conhecimento sobre alimentação. A minha mãe, durante a minha infância, trabalhava com macrobiótico, fazia suco de cenoura com tangerina para a gente tomar – daí vem a pele muito boa que tenho hoje. Tenho uma dieta cheia de fruta graças à minha mãe. Eu não como fritura – uma vez na vida, não irei mentir, encaro pastel de feira, que eu adoro. Porém, você não irá me ver traçando um hambúrguer, porque é uma das coisas que detonam a minha pele. Tenho, por outro lado, um pezinho no carboidrato. Fui criada com a fartura na mesa, com crença de que tem de comer bastante para ficar forte. A minha tristeza é eu ter tido acesso à alimentação saudável, mas não ter tido interesse.

Mas agora tem tirado o atraso. Duas coisas me ajudam bastante quando estou trabalhando: os lanches da dieta VLCD (Very Low-Calorie Diet). Parecem comida de astronauta: você joga uma água no envelope e o conteúdo se transforma em iogurte, suco, brigadeiro de colher, pizza. Sou mais apegada, no entanto, aos lanches. Também sou adepta da Keep Light, que entrega em casa refeições personalizadas, congeladas e saudáveis. E me alimento de noite como forma de recompensa pelo dia de trabalho. Sempre chega uma sopinha, uma proteína pronta. Eu conheço a dona da empresa, fui atrás para saber o método utilizado, enfim, eu investigo muito as coisas. E conto com a consultoria, também, de uma gerontóloga, que faz uma medicina preventiva a partir de vitaminas naturais que me conferem mais fôlego e energia. Inclusive, o meu filho Samuel é vegano e cursa nutrição. Algum trabalho bom eu tenho feito!

Não baixa a guarda nem frente a um doce? Evito doce exagerado. Quando a vontade de açúcar aparece, como chocolate de tâmara, porque qualquer coisa me engana, sabe? Morder damasco me engana. Não sinto falta daquele chocolate doce, de doce de leite. E nunca fui de beber refrigerante também. Mas não sou aquela pessoa que viaja para a Itália e deixa de comer bem. Meus exames nunca estiveram com as taxas tão ótimas quanto as de agora. Em outras oportunidades, faltava um pouco de ferro no corpo em momentos em que eu me encontrava muito cansada, com a rotina muito corrida. Só que, atualmente, conto com o auxílio de uma educação alimentar que me coloca bem para o dia a dia, tenho uma qualidade de vida muito boa.

Créditos

Imagem principal: Sergio Baia/Divulgação

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