Sobre Sócrates, vida e pitacos gratuitos.

por Mariana Perroni

Confesso que não sei o que ou quem define se uma morte foi precoce ou não.

 

Sócrates morreu nessa madrugada. Como sou relativamente jovem, nunca pude vê-lo jogar. Mas, em um mundo com tantas idéias e comportamentos massificados, não preciso disso para considerar o fato absolutamente triste. O adeus de alguém que unia em si mesmo caracteristicas tão distintas como a inteligência, o dom para o esporte e, se nao bastasse, o engajamento político é, sem dúvida, algo a se lamentar muito.

Da CNN à imprensa italiana, passando por todos os nossos jornais, matérias têm lamentado uma morte tão precoce.
E eu juro que gostaria de concordar com a escolha do termo, mas não consigo.

Quem acompanha esse blog, sabe que sou intensivista de formação. Faz parte da minha rotina lidar com a (inevitabilidade da) morte, em alguns casos. O fato pode chocar e ser angustiante para muitos, mas, como já cheguei a escrever num outro texto, eu considero um privilégio. Apenas quando um ser humano confronta a morte, é que realmente toma consciência do significado da própria existência. É o paradoxo máximo: poucas coisas ensinam mais sobre a vida do que presenciar um óbito.

Depois de já ter acompanhado esse momento algumas vezes, confesso que não sei o que ou quem define se uma morte foi precoce ou não. Não acho que  a idade e estatísticas possuem a profundidade e a sensibilidade necessárias para isso. Nem a imprensa e, muito menos, nós que ficamos no plano terreno. Já vi idosos implorarem por mais tempo por terem deixado de lado o que importava em nome de dinheiro e trabalho. Assim como também já presenciei indivíduos relativamente novos partirem em paz consigo mesmos por terem vivido o que acreditavam e priorizado aquilo que fazia bem para eles. Quem foi o precoce?

Sócrates morreu hoje, aos 57 anos, devido a conhecidas consequências de doenças crônicas gerada por um hábito que se repetiu por anos a fio. Hábito condenável em termos de Saúde Pública e Mental, ok. Mas, deixando de lado toda a cagação de regra tão característica à minha classe, acho que, nesses últimos meses, mais do que o álcool, a real cicuta para esse Sócrates foram os repetitivos questionamentos, pitacos e julgamentos sobre seu estilo de vida. E até sobre o estrogonofe que ele teve vontade de comer. A morte foi precoce? Só o Magrão sabe. Mas algo me diz que ele não acha. Até acredito que talvez ele não tivesse feito tanto em vida, e em tantos campos diferentes (no sentido literal e figurado) se tivesse se submetido a uma vida cheia de regras. Nem sua morte teria virado notícia...

(meu twitter: @mperroni)

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