Sobre smartphones, vícios e compulsões

por Mariana Perroni

Aconteceu. Depois de um plantão cansativo, ela simplesmente foi ao encontro dele.

 

Aconteceu. Depois de um plantão cansativo e durante um esperado churrasco noturno com alguns dos meus melhores amigos, ela simplesmente foi ao encontro dele: Mesmo com todas as risadas e a conversa estimulante, minha mão direita abandonou a long neck que segurava e, sem que eu percebesse, foi de encontro ao meu celular para checar meu Facebook e email. Só quando ele já estava em minha mão e meu campo visual já tinha se deslocado dos rostos de meus amigos para a tela do smartphone, que me dei conta: Por que eu estava olhando meu mural do Facebook aquela hora? Eu não estava nada entediada e já havia uma 'rede' de amigos inteira na minha frente, interagindo comigo.

Nessa hora, me lembrei de que existe um questionário famoso (o CAGE) para rastreamento de alcoolismo que é composto por quatro perguntas:

1. Você já tentou diminuir ou cortar a bebida?
2. Você já ficou incomodado ou irritado com outros porque criticaram seu jeito de beber?
3. Você já se sentiu culpado por causa do seu jeito de beber?
4. Você já teve que beber para se acalmar ou reduzir os efeitos de uma ressaca?

Quando uma das respostas é afirmativa, o teste já é considerado positivo e o diagnóstico de alcoolismo tem que ser considerado.Não vou falar sobre álcool agora. Mas extrapolei o raciocínio e acabei chegando à conclusão que, caso eu o aplicasse para rastrear o uso excessivo de internet móvel e do iphone, eu teria respondido SIM em praticamente todas as perguntas (exceto a de tentar diminuir ou cortar). Estaria eu viciada?

Coincidentemente, hoje me deparei com um estudo feito conjuntamente pelos EUA e Finlândia que mostrou que não estou sozinha. Pelo contrário. Os autores notaram que usuários de smartphones desenvolveram “checking habits”. Um comportamento que dura menos de 30 segundos e não envolve muito mais que desbloquear a tela e consultar um aplicativo (geralmente o do Facebook ou o do email particular). Isso se repete mais ou menos a cada dez minutos.

Em média, os sujeitos do estudo checaram seus telefones 34 vezes por dia. Não necessariamente porque eles precisavam. Mas porque isso havia se tornado um hábito ou compulsão, ou simplesmente porque podiam. Afinal, o celular estava ali ao alcance da mão e a Bebel Gilberto nem estava perto para reprimir ninguém. Sabe como é...

Teria a internet móvel redefinido o conceito de presença propriamente dito? Naquele momento em que estamos mexendo no celular, realmente estamos presentes na mesa do restaurante? Isso é vício, desrespeito ou simplesmente a consequência da informação ter chegado à palma da mão?  Vou ter que respirar fundo e dizer a frase que sai da boca de um médico com a mesma frequência que o cometa Halley pelo nosso planeta: Eu não sei. Enquanto um menininho de uns dois anos passa o indicador na carteira preta do pai como se tentasse desbloquear a tela de um iphone na mesa ao lado, aqui no café onde escrevo esse texto, só consigo perceber que essas reflexões geram angústia apenas em quem, assim como eu, viveu tempos em que o celular só servia para fazer ligações.
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