Segurar as rédeas com firmeza, no amor, é a melhor forma de se deixar levar
Embora no resto do Brasil se acredite que toda gaúcha é uma amazona, raras vezes montei a cavalo. Acho a ideia mais fascinante do que a prática. Sinto-me sobre um cachorro gigante, de onde não consigo olhar na cara para saber se está disposto a me levar ou derrubar. Geralmente eles são dóceis e nos levam a bons passeios, mas têm lá suas vontades e uma delas é voltar para casa.
Aprendi isso num período em que me hospedei numa fazenda. Lá fui informada de que, se me perdesse no campo, bastava soltar a rédea que o bicho acharia sozinho o caminho de volta. Foi o que aconteceu. Só tem um detalhe: livre das rédeas, o cavalo passa a ignorar nossa presença lá em cima e começa a passar por lugares em que ele cabe, mas não quem o está montando. Cheguei a meu destino deitada sobre a sela, toda arranhada dos matos nos quais minha montaria, quer seja por descaso, quer por sadismo, se meteu.
Valeu a aventura, e como metáfora é melhor do que como diversão. No amor, como no hipismo, deixar-se levar, decretando-se “perdido”, pode ser uma bela forma de sair lanhado. Muitas vezes queremos que nossa cara-metade seja outra coisa que um companheiro, um sócio, um coautor, um amante, queremos que essa pessoa seja um líder carismático, autoritário, envolvente a ponto de fazer-nos esquecer de escolher o caminho. Deixar-se levar, soltar as rédeas, pode ser bom enquanto fantasia sexual, porém na escolha dos caminhos de vida equivale a ficar à mercê dos sintomas do outro.
Pra casa agora eu vou
Deixada à própria sorte, nossa cara-metade sempre dá um jeito de voltar para seu território seguro. E relacionar-se, pelo contrário, é tentar viver longe de casa, em terras a serem colonizadas. “Casa” é mais do que um espaço físico, é aquele lugar previsível onde não é preciso levar em conta tantas variáveis. Em casa escolherei a melhor forma de organizar meu espaço, tempo e tarefas.
A rotina é herdeira dos cuidados maternos primários, nela cultivamos certos horários, sequências de gestos, sabores, cheiros. Aplicamos esses rituais em nosso cotidiano como forma de reproduzir a forma como zelavam por nós quando éramos pequenos. Já o amor é uma experiência de viver com outros hábitos, falar uma língua diferente (cada casal cria um vocabulário próprio). Amar é... como viver no estrangeiro. Porém, se um dos dois se apaga, o outro toma o caminho de casa.
Quando arriscamos escolher o caminho, muitas vezes ele nos afasta do lugar seguro, caseiro, mas tem um lado bom, que faz valer o frio na barriga: o tempo todo estamos presentes, sendo lembrados, considerados. Por vezes lamentamos a liberação feminina, que nos deixou à mercê de homens que não são mais tão protetores nem provedores. Acredito, porém, que se bem perdemos algumas seguranças corremos muito menos riscos de terminar machucadas, conduzidas como um saco de batatas. E os caminhos mais interessantes não levam para o curral.
Diana Corso, 48, é psicanalista. Vive em Porto Alegre, tem duas filhas, escreve quinzenalmente no jornal Zero Hora e é coautora do livro Fadas no Divã. Seu e-mail: dianamcorso@gmail.com