por Gabriela Sá Pessoa

Lançando livro de quadrinhos autobiográficos, o cartunista Adão Iturrusgarai fala sobre mulheres liberadas sexualmente

Ela tem dois namorados em casa. Se esse fato já pode gerar polêmicas – ela, é claro, as ignora – imagine só dizer que essa mulher também sai com outros caras. E mais: com vários outros caras, na hora que quer e, às vezes, ao mesmo tempo. Talvez você conheça a ninfomaníaca (ou seria libertária?) em questão. E não, não é aquela colega julgada por todo mundo, em que você está pensando, provavelmente com um pouquinho de preconceito.

Protagonista da tirinha homônima, publicada até 2010, sua história também foi exibida, entre 2009 e 2011, em um seriado da TV Globo.   

Estamos falando da Aline, personagem criada do cartunista Adão Iturrusgarai. O autor, que acaba de lançar o livro de quadrinhos autobiográficos Momentos brilhantes da minha vida ridícula, fala à Tpm sobre Aline e as mulheres reais que são como ela.

Tpm. A Aline assume gostar de sexo, é do tipo de mulher que costuma sofrer preconceitos por suas atitudes libertárias. Como era o mundo quando você a criou, em 1993, e como ele é agora?
Adão Iturrusgarai. Mesmo com o surgimento de algumas atitudes em relação ao politicamente correto, mais apertadas e mais chatas, os costumes melhoraram. A sexualidade avança, mas já naquela época as coisas andavam para frente. Tem alguns setores mais caretas, mas, no geral, muitas coisas mudaram pra melhor.

Como a personagem surgiu? No começo, pensei nela e nos dois namorados [Otto e Pedro]. Os três nasceram com o mesmo peso. Tinha outro título, Big bang bang, e eles estavam num mesmo plano. O que aconteceu é que a Aline por si só foi aparecendo mais. Lembro que andava muito com o Angeli na época, éramos muito amigos. Um dia ele me falou: “Adão, por que você não cria uma série para a Folha?”. Aquilo foi como se tivesse me encostado na parede, não imaginava meus personagens em formato de tira. Certo dia tava com uma puta ressaca e, de repente, a história surgiu. A primeira coisa que me veio foi o filme Jules e Jim [de 1962, dirigido por François Truffaut], porém mais uma história de dois homens e uma mulher não teria graça. Queria uma relação mais complicada, socialmente falando. Então criei esse triângulo amoroso, com os três morando juntos. Dá um puta pano pra manga esse universo.

E por que a Aline se destacou? O que acabou acontecendo é que os dois ficaram muito apatetados. Comecei a me interessar pela Aline, mesmo.

Ela mudou sua maneira de se relacionar com as mulheres? Nada... Minha mudança em relação às mulheres – e às pessoas em geral – veio com o amadurecimento.

Você a considera uma mulher livre? Ela é desencanada, vive sem cair um pouco naquele ranço feminista. É uma mulher feliz, livre, que trabalha e não tem crises sexuais.

Os homens têm medo de mulheres assim? Os homens são muito bestas [risos]! Claro, existe muito machismo, muitos não conseguem lidar com uma mulher mais livre como ela.

E você, já teve de lidar com alguma dessas mulheres “mais livres”? Acho que sim, já namorei com mulheres, digamos, liberadas e tranquilas. Já rolou brincadeira a três, mas não em um relacionamento longo. Foram coisas pontuais.

Durante essas experiências, você e a garota chegaram a ser julgados? Meu grupo de amigos sempre foi muito liberal. Ando com gente como o Laerte, que não vai se escandalizar com esse tipo de coisa. Mas vejo que tem muito disso, grande parte da população é careta, fascista, e pensa que a mulher que dá para um monte de caras é vadia. Alguém tipo Leila Diniz, que decide para quem vai dar, é vista dessa maneira.

Você é casado atualmente. Questões como monogamia e liberdade sexual afetam o relacionamento de alguma forma? Essa sempre é uma questão. Meu casamento é monogâmico, essa foi uma questão que gera conflitos que o casal tem e tal... Meus relacionamentos eram sempre meio zoados.

 

"Algumas mulheres me dizem que são como a Aline, recebo muitas mensagens assim. No geral, tem uma puta aceitação, a personagem é lembrada até hoje"



Como assim? Sei lá, eu era um cara que vivia, digamos, que saia muito à noite, não conseguia ter relacionamentos muitos sérios, não conseguia me manter numa relação mais fechada e careta. É difícil essa coisa de relação aberta, é uma discussão muito complicada. Já senti ciúmes. Mas está mudando muito, tudo isso é bem mais aceito hoje.

Aline virou seriado da Globo. Como foi a recepção do publico da TV aberta, extremamente diversificado? Algumas pessoas falaram mal. No fim das contas, percebi que o mais legal é ver algum amigo elogiando. Foi um belo trabalho e o fato de passar esse meu universo na TV aberta foi do caralho.  Estava tudo ali. Às vezes, me questionavam: “Ah, mas não teve beijo na boca!”. Só que ela falava dos dois namorados e das coisas que fazia. Não precisava ter beijo na boca. Seria impossível retratar meus quadrinhos como eles realmente eram na Globo. Imagina, a Aline na cama e os dois entrando com um provolone enorme...

Ainda no que diz respeito à recepção, você nota que mulheres e homens reagem de maneira diferente à personagem? Vejo que os dois gostam. Talvez mais mulheres, porque passa uma fantasia, sabe? Algumas mulheres me dizem que são como a Aline, recebo muitas mensagens assim. No geral, tem uma puta aceitação, a personagem é lembrada até hoje.

E já houve algum caso de mulheres que disseram ter se inspirado na Aline para se liberarem sexualmente? Acho que sim. Recebo mulheres que têm um, dois, três caras e se dizem ninfomaníacas, mas não lembro um caso específico de “isso mudou minha vida”. Já vi coisas negativas, como uma menina super careta que se chamava Aline e o pessoal da escola a zoava por causa do quadrinho. Teve até uma tese na USP criticando a Aline, dizendo que era “machismo invertido”. Machismo invertido! Nunca entendi que porra é essa. Parece que a tese não passou, deve ter sido mal escrita pra caralho. 

Vai lá: adao.blog.uol.com.br

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