Sentimento estrangeiro

Tpm

por Redação
Tpm #80

 
No lugar em que deveríamos nos sentir mais seguros, acabamos, ingênuos, dormindo com o inimigo

Domingo ensolarado, saímos de casa numa comitiva de cinco pessoas rumo a Cangaíba para encontrar dona Maria. A caminho do bairro afastado nos arredores da zona leste, me invadiu aquela sensação estrangeira deliciosa de ver um lugar pela primeira vez. Rua diferente, comércio diferente, paisagem diferente... O que não é difícil acontecer numa cidade gigante como São Paulo. Mas muitas vezes não prestamos atenção. Dona Maria, que há muitos anos trabalha num clube que freqüentamos, nos aguardava com vizinhos, tortas e bolinhos em sua casa. Cheguei carregada no colo do motorista, pois nada menos que uns 12 degraus compunham o corredor estreito que dava acesso à sala onde
nos acomodamos para conversar.

As pessoas pedem, elogiam, criticam o sistema... Sentada ali na sala, ouvindo a fala diversificada de taxistas, donas de casa, coordenador da igreja, garçom, senti de novo aquilo estrangeiro, mas agora nas idiossincrasias de cada pessoa. Às vezes ser vereadora me dá a oportunidade de ser psicóloga!

Quando saí, pretendia fazer uma visita aos meus pais. Porém algo de estranho acontecia com meu corpo. Sou daquelas pessoas privilegiadas que nunca têm dor de cabeça e digo isso porque conheço inúmeras que têm suas vidas limitadas por enxaquecas, por exemplo. Mas, naquele dia, rolava um tonhonhoin por trás dos meus olhos que estava me estonteando. Percebi que o melhor caminho a seguir seria um pronto atendimento de hospital. Já estava deitada na maca com agulhinha tirando sangue, quando tocou o telefone. Era uma funcionária da minha mãe dizendo que meus pais e empregadas estavam amarrados em casa num assalto, para eu não ir para lá. Liguei na casa e os ladrões já tinham ido e todo mundo estava bem. O delegado do Deic veio me encontrar e me acompanhou até a casa dos meus pais. A rua parecia a Faixa de Gaza de tantos policiais. Os ladrões entraram provavelmente pela porta da frente, pois não tinha marcas de pés ou mãos nos muros. Falaram que eram da Polícia Federal e foram rendendo as meninas com metralhadoras. Bem vestidos, os cinco adentraram a casa e amarraram todos num quarto, com exceção do meu pai, a quem ajudaram a subir as escadas e ainda levaram para o quarto dele para descansar um pouco. Esquisito...

Valores invertidos
Obrigaram minha mãe a abrir o cofre e faziam ameaças do tipo “vamos pôr fogo em você e na casa toda”, “faz tempo que estamos de olho em você”. Levaram jóias, dinheiro e celulares e deixaram o pânico no ar quando perguntaram: “A que horas chega a Mara Gabrilli? Vamos esperar a cadeirante na garagem”.

Claro que informações foram fornecidas de gente da própria casa. Deslizamos ingênuos no cotidiano, enquanto dormimos com o inimigo. No dia anterior eu havia ido para o Grajaú comemorar benfeitorias que conseguimos levar para a população. Apesar de já ter ouvido no noticiário se tratar do lugar mais violento do mundo, eu estava feliz e segura entre pessoas do bem. Mas não é na casa dos nossos pais onde reina a felicidade e a segurança? O que está acontecendo? Os exames deram negativo, a dor de cabeça passou, mas conheci mais um sentimento estrangeiro, a desconfiança diante de quem está próximo.

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