Sem maneiras de transformar seu corpo

por Nina Lemos
Tpm #16

Descubra por que você não vai conseguir isso com as regras absurdas impostas por aí – e veja qual é o único jeito de ficar mais bonita, sem enganação (e sem milagres)

O verão está chegando e já começaram a dizer que você “precisa transformar seu corpo”. Em 17 revistas femininas, contamos 63 regimes milagrosos e 34 reportagens com tratamentos estéticos revolucionários e exercícios incríveis para deixar a mulher com “uma barriga retinha, curvas sinuosas e nada de celulite”. Mas você não vai conseguir isso com as regras absurdas impostas por aí...

O verão chegou. Ótimo, não? É melhor sair logo para comprar um biquíni bacana. Você entra em cinco lojas. A luz fluorescente das cabines não favorece e você começa a achar (ou melhor, ter certeza de) que: 1- A sua bunda está caída. 2- Você tem uma barriga enorme. 3- O seu corpo foi invadido por milhares de celulites que você nunca tinha visto antes. 

Ao sair do shopping, arrasada, passa em uma banca de jornais. Encontra uma porção de revistas diferentes, mas que falam mais ou menos a mesma coisa: você é capaz de conseguir um corpo perfeito até o verão! A mulher da capa tem um corpo incrível e dá para ficar como ela. Basta seguir regimes de fome que te fazem perder 8 quilos em um mês! E cumprir uma série de ordens: “Enxugue esse corpinho!”, “Construa músculos!”, “Conquiste uma barriga de tábua!”, “Empine esse bumbum!”.

“Quer exibir no verão uma barriga retinha, curvas sinuosas e nada de celulite? Agora é hora!”
Frase extraída de revistas femininas publicadas no mês de outubro de 2002

Parece que só não consegue quem não quer. Em um mês, encontramos 63 tipos diferentes de regime, 34 reportagens com o tema “beleza no verão” contabilizados em 17 revistas publicadas no mês de outubro. Há a “Dieta do prato cheio”, “O regime espiritual” e por aí vai. Todos a serem seguidos antes das férias, junto com sequências transformadoras de exercícios e tratamentos estéticos que prometem melhoras em tempo recorde. Mas espera aí. 

Férias não eram para a gente relaxar? Para a gente ficar animada porque vai passar o dia todo na praia, se sentindo linda? Sim, porque todo mundo quer ser bonita e ter um corpo saudável é muito bom. Mas existe uma diferença entre querer ficar bem e estar maníaca em busca do “corpo perfeito”, se sacrificando em regimes que fazem mal e passando horas na academia malhando mais do que o recomendado por médicos e especialistas da área esportiva. 

Mas, influenciadas pelo bombardeio de frases do estilo “conquiste uma barriga de tábua”, muitas mulheres acabam indo para a academia correr atrás do milagre prometido. Quando chegam lá, encontram salas lotadas como um shopping em véspera de Natal. As academias de São Paulo e do Rio de Janeiro registram um aumento de cerca de 20% com a aproximação do verão. Esse número é pequeno se comparado ao movimento nas clínicas estéticas, aquelas onde elas vão fazer dez sessões de tratamentos que têm nomes como eletrolipoforese, estimulação russa, drenagem linfática, e que prometem acabar com celulites e gordurinhas. Nas clínicas, a procura cresce cerca de 90% entre os meses de setembro e dezembro.

A ginástica, se feita do jeito certo, pelo menos vai fazer bem para a sua saúde. Já os tratamentos estéticos... “Esses tratamentos são puro charlatanismo. Está cientificamente comprovado que eles não acabam com a celulite. O triste é que quem recorre a eles acaba desiludido porque perde tempo e dinheiro com uma coisa que não funciona”, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, da Abeso (Associação Brasileira de Estudos da Obesidade).

“A temporada de calor está chegando e seu bumbum mais parece um queijo suíço”
Frase extraída de revistas femininas publicadas no mês de outubro de 2002

Segundo Zuleika e os outros especialistas ouvidos pela Tpm, mais e mais mulheres procuram esses tratamentos estéticos por duas razões: acreditam em milagres e na lei do menor esforço. A coordenadora pedagógica Daniela Salgado, de 26 anos, que mede 1,62 metro e pesa 51 quilos é uma que já buscou muitas dessas soluções. “Para mim funciona a lei do menor esforço, faço o mínimo de ginástica possível para não fazer feio na praia.” Ela já fez duas lipos, drenagem linfática (massagem manual que estimula a circulação), mesoterapia com agulhas (injeções de medicamentos para celulite e flacidez), estimulação russa (choquinhos quase imperceptíveis que estimulam o local) e endermologia (massagem a vácuo com um aparelho que aspira, massageia e fricciona a pele). “Não ligo de gastar dinheiro com isso. Quando começa aquele tempinho em que a gente já pode pôr biquíni, levo um choque. Mas, enquanto todo mundo fala que vai para a academia, eu penso: ‘preciso visitar a clínica’.”

Daniela é apenas uma das garotas que, de acordo com Zuleika, “tornam pessoas milionárias à custa de promessas”. O que elas querem? Virar outra pessoa em um mês. Uma coisa que você não vão conseguir, inclusive porque ninguém vira outra pessoa, não é mesmo? “Achar que o corpo vai mudar em um ou dois meses é buscar um caminho para a frustração”, diz Turíbio Leite, especialista em medicina esportiva da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Na hora da praia, mais uma vez a tensão impera. Se você decide dar um mergulho, começa a achar que aqueles caras barrigudos na areia estão falando sobre a sua bunda. O pior é que eles ainda podem levantar uma plaquinha com uma nota e chamar você de baranga. Sendo assim, melhor andar de canga até se for comprar um picolé (diet). Na sua cabeça, aquela canção do Beck: “I'm a loser”, tudo porque você não conseguiu “o corpo perfeito” .

O psiquiatra Daniel Guimarães, do Laboratório de Bulimia e Distúrbios Alimentares do Hospital das Clínicas, aponta alguns dos sintomas que podem ser desencadeados por essa busca desenfreada. “Quem faz regimes radicais perde nutrientes importantes do corpo, pode ter anemia e desmaios. Se a pessoa tiver propensão, pode vir a ter bulimia ou anorexia.” Se as razões de saúde não são comovente o bastante, saiba que os quilos perdidos em regimes “a jato” voltam com a mesma rapidez com que foram embora. “A dieta radical é uma agressão ao corpo e o rebote é inevitável, você priva o organismo de tantos nutrientes que logo vai sentir necessidade de compensar”, explica a endocrinologista Zuleika Halpern.

“Desafio para o verão. Praia, piscina, sol: é hora de transformar seu corpo para a estação mais esperada do ano”
Frase extraída de revistas femininas publicadas no mês de outubro de 2002

“Quem procura um corpo perfeito está perseguindo um ideal que não existe. Ninguém tem isso. O que seria essa perfeição?”, pergunta o psiquiatra Daniel Guimarães. O padrão almejado muitas vezes é aquele que está nas revistas de beleza. “É um modelo muito rígido. Antes, era o supermagro, hoje, existe também o do corpo muito musculoso, só que ninguém pode escolher um determinado padrão de corpo sem levar em conta a genética.” 

Tem mais. Modelos e celebridades que aparecem nas capas das revistas, na maioria das vezes, têm a imagem tratada com Photoshop, um programa de computador que disponibiliza recursos gráficos capazes de corrigir qualquer “imperfeição” corporal. Até as musas da beleza que ocupam as capas de revistas já sentiram na pele (literalmente) os efeitos do programinha. “Certa vez vi uma foto minha em uma revista e estava tão magra que nem parecia eu”, diz a modelo Fabiana Saba, que foi capa de uma revista semanal no mês outubro porque emagreceu 8 quilos. A reportagem que ela ilustra tem o seguinte título: “Como ser magro”. A também modelo Pietra, capa de uma revista de dietas em novembro, também já sentiu o drama de ver sua imagem modificada. “Já mudaram a minha imagem no computador sim. Algumas vezes foi para melhor, outras para pior.”

“Já pensou diminuir o tamanho do biquíni em 30 dias para desfilar linda na praia?”
Frase extraída de revistas femininas publicadas no mês de outubro de 2002

Em vez de alcançar o corpo dos sonhos, quem entra nessa de se internar na academia e fazer regimes radicais, segundo Guimarães, pode alcançar outras coisas: depressão, frustração e baixa de auto-estima. “Parece que tudo é fácil e que quem não conseguiu as mudanças que queria no corpo é um fracassado.”

Outra razão para se sentir um perdedor é o fato de a linguagem explorada nas revistas ter um tom de ordem e persuasão, muito parecido com o dos discursos de guerra. “Queime a celulite”, “Enxugue seu corpo”. “O tempo verbal é o imperativo. Soa como se fosse uma ordem dada para que a pessoa siga”, diz a especialista em língua portuguesa Doroti Maroldi, da PUC São Paulo. Esse discurso que abusa do “faça”, “consiga”, “mexa-se”, segundo ela, é parecido com a linguagem publicitária. “A beleza e o corpo são tratados como um produto. E um produto geralmente é feito para agradar o outro, os homens, outras mulheres.” O imediatismo das reportagens também faz a diferença. “São muito usadas palavras como ‘já’, ‘a jato’, ‘imediatamente’, isso é para passar uma imagem de milagre.”

“A ordem é afinar até o fim do mês com uma dieta democrática”
Frase extraída de revistas femininas publicadas no mês de outubro de 2002

A única maneira de ficar com um corpo saudável (e conseqüentemente bonito) no verão ou em outras estações, segundo os especialistas sérios, não é perseguir nenhum milagre. Mas fazer exercício regularmente e ter uma alimentação saudável. “Ter uma vida não sedentária e alimentar-se de forma adequada faz bem para a saúde. Ter melhorias estéticas é uma consequência disso”, afirma o médico Turíbio Leite. Segundo ele, 80% das pessoas que procuram academias estão buscando benefícios estéticos. Ou seja, o caminho inverso. Turíbio tem uma explicação para isso. “Os ganhos de saúde não são visíveis. Ninguém enxerga no espelho que o sangue está bom, que a pressão arterial melhorou, o que vemos no espelho é apenas o corpo”, diz.

E se ter o corpo do momento é uma ditadura, ele explica que a saúde é democrática. “Poucas pessoas têm condições físicas de ter um corpo dentro dos padrões preestabelecidos de beleza. Por outro lado, ter um ganho na saúde por fazer exercícios todo mundo pode.”

A engenheira agrônoma Daniela de Paula, de 31 anos, descobriu isso sozinha. Depois de passar a adolescência conferindo o tamanho de sua bunda em um espelho que guardava só para isso, decidiu desencanar da busca pelo ideal. “Acho que estou ótima, mas peso 60 quilos e tenho 1,67 metro, segundo o padrão de beleza que está aí, estou fora, mas o que posso fazer se eu nasci com um quadril largo? Eu sou assim e o que importa é estar saudável e com a cabeça boa”, diz. Para isso, ela faz massagem para relaxar e anda quatro vezes por semana. “Faço o ano inteiro, não tomo refrigerante e não como carne vermelha.”

Encanação com o verão ela garante não ter nenhuma. “É claro que vou comprar um biquíni bem legal e que esteja super na moda, vou passar meus cremes, mas não vou me sentir um monstro porque tenho um pouco de celulite.” Daniela, segundo conclusão própria, fez uma coisa que às vezes parece que o mundo não quer que a gente faça: amadureceu.

 

Ordens que não vamos acatar nem mortas

#1 Não vamos aderir à hidrolipoclasia, umas injeções que você toma na região em que quer perder gordura (tipo a barriga, que dor!). É uma mistura de soro fisiológico, água destilada e substâncias como alcachofra. Custa caro, mas mesmo se fosse de graça, nem injeção de alcachofra!

#2 Não vamos “seguir à risca um guia para realçar a parte mais cobiçada (e admirada) pelos homens”. Uma revista fez um “Especial Bumbum” para o verão, com dietas, cremes, choques e exercícios. Se um dia quisermos cuidar do bumbum, o motivo não vai ser agradar um homem.

#3 Não vamos “turbinar o peito”. Ou seja, colocar silicone por causa do verão. Uma publicação sugere a prótese de sustentação. “Na verdade é uma tela finíssima de silicone utilizada para levantar os seios.” Vamos lembrar de novo que se trata de uma cirurgia. E que, se você acha que silicone traz felicidade, é melhor procurar um psicólogo, não um cirurgião. 

#4 Não vamos fazer uma lipo. Sim, tem revista que sugere que a gente faça uma cirurgia só porque o verão está chegando. A novidade, a vibroliposucção também é chamada de lipo light, custa R$ 8 mil. Mas o problema principal não é esse, e sim os riscos cirúrgicos. Você vai tomar anestesia só por causa do verão.

#5 Não vamos fazer uma dieta adotada por uma famosa atriz para “enxugar”. Entre outras razões, que por falta de espaço não vamos explicar quais são, porque o jantar é composto por 6 claras de ovo cozidas no microondas. 

#6 Não vamos declarar guerra contra a celulite, como todos propõem, usando, ao mesmo tempo, tratamentos estéticos, cremes, exercícios e regimes. Sabemos que não vamos acabar com elas em dois meses. E celulite não é uma coisa que pode, como dizem, “ser derretida”. 

#7 Nós, como todo mundo, queremos estar bonitas. Se sentir bem e se cuidar é muito bom. Uma plástica até pode ser legal se fizer bem para a pessoa. O que não achamos bacana é a banalização dessas coisas. Sim, nós vamos fazer exercício no mínimo duas vezes por semana ou meia hora por dia, como recomendam os médicos. Também vamos cuidar da nossa alimentação para que ela seja o mais saudável possível. Não vamos esquecer ainda que temos um código genético e que precisamos respeitá-lo (o DNA de Gisele Bündchen é exclusividade dela). E, principalmente, vamos ser felizes, sem encanações desnecessárias. 

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