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A rapper Yzalú vai transformar toda treta em bossa

por Rafael Gonzaga

Cantora paulista está prestes a lançar seu primeiro disco – um grito furioso no combate ao machismo, ao racismo e ao preconceito contra pessoas com deficiência

Yzalú já me esperava atenta no portão da residência onde vive com a mãe em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. “Vem conhecer minha casa”, convidou a rapper, enquanto mostrava a área da churrasqueira onde acontecem as festas de família e a vista para o morro no qual brincava com os primos na infância. Quando foi à cozinha buscar água, a mãe sentada na sala com um livro no colo gritou: “Luiza, traz para mim também” e logo em seguida se justificou, enquanto a filha retornava sorridente: “Ela não usa, mas é o nome que eu dei, né?!”. Yzalú, batizada Luiza Yara Lopes Silva, é uma mulher doce e simpática, mas não se engane: a bossa dela é treta. Aos 33 anos, 13 deles dedicados à carreira musical, a cantora se prepara para lançar no dia 8 de março seu primeiro disco, que atende pelo nome de Minha Bossa É Treta. E não podia ser diferente.

Segundo a cantora, o título do álbum é uma referência à sua própria realidade, de mulher negra moradora da periferia, filtrada pelo violão, que a acompanha no mundo do rap desde sempre. É o violão, inclusive, que estabelece a ligação entre a artista e a MPB de nomes como Caetano e Gal Costa – essa última, aliás, a inspirou na hora de escolher a capa de seu disco. Assim como em uma icônica foto de Gal da década de 1970, Yzalú se revela nua no registro que estampa a capa do disco, coberta apenas por um violão. “Sempre fui muito tímida e o violão sempre foi meu escudo”, conta.

A relação da rapper com o violão começou por volta dos 15 anos, mas a música tem protagonismo em sua vida desde os 5. Nessa época, os pais tinham acabado de se separar e sua mãe precisou sair para trabalhar em dois, às vezes três, empregos. Em casa, a companhia da menina era a coleção de vinis da mãe, repleta de nomes como James Brown, Marvin Gave, Minnie Riperton e Michael Jackson. O rap em si acabou vindo bem mais tarde, quando, após voltar de uma temporada vivendo em Salvador, na Bahia, a moça esbarrou nas mulheres do grupo Essência Black, do qual passou a fazer parte tocando violão. “Conheci as meninas em 2003, em São Bernardo. Aquilo também me abriu um leque no sentido de outras parcerias, de conhecer outros grupos de rap da região. Elas me deram a possibilidade de poder fazer o que eu gosto, que é música, tocando. Então, sem perceber, eu estava me infiltrando dentro do rap”, lembra.

Mas soltar a voz como cantora só aconteceu depois que Yzalú saiu do grupo, quando a rapper passou a se apresentar em bares e teatros. “Os barzinhos foram uma escola para mim, tinha vez que eu recebia quinze reais e o dono do bar ainda descontava minha água”, conta rindo. E completa: “Em 2007, tive a oportunidade de conhecer a Dina Di, o que foi sensacional. Pude trocar uma ideia com ela e tive clareza do que é ser mulher dentro do rap. Foi quando tive a certeza do que eu queria fazer, que era inserir o rap no violão, fazer música e ter orgulho de ser do movimento”, diz.

De lá para cá, foi uma longa caminhada. Yzalú conta que o Minha Bossa É Treta é uma concretização de um trabalho feito há um bom tempo. Para ela, o disco começou a tomar forma mesmo em 2012, quando a cantora ganhou um pouco mais de visibilidade no lançamento da canção Mulheres Negras, escrita pelo rapper Eduardo, ex-Facção Central. Em versos duros como “Não sou a subalterna que o senhorio crê que construiu/ Meu lugar não é nos calvários do Brasil/ Se um dia eu tiver que me alistar no tráfico do morro/ É porque a Lei Áurea não passa de um texto morto”, a canção sintetiza a ânsia da cantora em usar o rap para falar da condição da mulher negra de uma forma lírica, trazendo luz a realidades ainda sem voz dentro da sociedade.

Isso porque é através da música que a rapper vê possibilidades de mudança. Para ela, falar do próprio contexto é parte importante do processo de dar representatividade a uma parcela da sociedade historicamente silenciada. “Ser uma mulher negra da periferia é conviver com uma realidade onde existe uma linha que já está traçada e que você tem que desviar. Ou seja, se você de fato quer revolucionar sua própria vida, precisa traçar outro caminho. Hoje, a arte permite que problemas sociais sejam discutidos e colocados em pauta, o que vejo como uma solução. É um lance de uma menina preta de 5 anos ver a mãe escutando Mulheres Negras, ouvir também e já desenvolver uma consciência que ninguém mais vai tirar dela”, avalia.

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Além de todas as particularidades do rap feito por mulheres, que nos últimos anos ganhou espaço com nomes como Karol Conká, Flora Matos e Lurdez da Luz, Yzalú traz outro campo de discussão para sua música: a vivência de pessoas com deficiência física. Em função disso, na capa de seu disco, a rapper optou por exibir a prótese que tem na perna direita. A deficiência que carrega é congênita, ou seja, desde criança a cantora usa próteses e lida com todos os reflexos que isso gera no campo social.

“Hoje, a arte permite que problemas sociais sejam discutidos e colocados em pauta, o que vejo como uma solução.”
Yzalú, rapper

“Na nossa sociedade, você não pode sentir orgulho de quem você é. A gente está falando de uma realidade de 25% da população brasileira, que é a quantidade de pessoas que tem algum tipo de deficiência. No momento em que você expõe essa realidade, representa essas pessoas e fala que elas existem. Para mim, a minha prótese na capa do disco é só um detalhe. É um detalhe na foto e um detalhe na minha vida. Eu cresci sob o olhar das pessoas, que muitas vezes não refletia quem eu era. Por esse motivo a capa acaba tendo essa simbologia de empoderar”, explica.

E, segundo ela, não tem mais para onde correr quando se fala em minorias tendo representatividade na cena do rap. “A gente está aqui para pegar o que é nosso também. Vejo que os caras também estão a fim de diversificar a cena. Os que não estão vão ficar para trás, não adianta”, enfatiza. E se o rap já atingiu esse estágio, agora ela só quer ter o prazer de se identificar como uma protagonista conhecida no cenário. “Pretendo ser uma voz, trazer minha musicalidade. Quero poder estar na boca das pessoas”.

Vai lá: yzalu.com

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