Mara conta como uma viagem até Brasília se transforma num verdadeiro perrengue
Tudo começou quando, finalmente, eu abri os olhos e estava atrasada. Há dois dias havia acordado vereadora e ido dormir deputada federal eleita, encerrando uma campanha. Mesmo cansada pelas poucas horas de sono, meu despertador embutido no cérebro não falha. Nunca erra nem por um minuto o horário pensado na hora de dormir. Mas aconteceu. Estava indo para a primeira reunião em Brasília relacionada com a eleição e já sabia que ia perder o avião.
No balcão de embarque estavam eu, a Gil e a Claudia, mais a lista do voo já fechada. Em aeroporto, não é óbvio um cadeirante se encaixar no fim da fila, incorporando-se ao grupo. Para os atendentes pode parecer uma engenharia muito complicada embarcá-lo às pressas. Para mim não. Ser carregada é só a forma que tenho de pegar aviões.
Depois de mais de três horas, pousamos em Brasília e, de praxe, aguardamos todo o avião desembarcar para sairmos. Na fila do táxi, ficamos à espera de um carro maior que coubesse minha cadeira. Os motoristas passavam por mim se justificando com "não cabe". Até que um de Zafira nos levou à reunião e se comprometeu a nos buscar. Também não chegou na hora.
Havia 130 dias não chovia em Brasília e nós esperamos 40 minutos a chegada do motorista assistindo a um dilúvio. Parecia que todos os táxis de Brasília passaram por aquele local de embarque-desembarque, menos o nosso motorista - que chegou a pé, mostrando o carro a uns 10 metros no meio da tempestade. Geralmente cadeirante não dá uma corridinha para entrar no carro. Combinamos, então, um embarque no subsolo do prédio e demoramos mais uma meia hora para nos encontrarmos.
Já estávamos prestes a perder o avião de volta.
Por gentileza, faça o impossível
Chegamos ao aeroporto e, no balcão da companhia aérea, a funcionária diz não dar mais tempo. Tão óbvia resposta que não vi tempo para questionar:
- Reserva no próximo.
E ela respondeu, sem modificar sua expressão:
- Não tem próximo.
Nos entreolhamos e fomos em outra companhia. Pedimos três passagens para São Paulo, ainda tinha cinco - e bem caras.
Para fazer xixi, uso sonda que não se vende em farmácia, e as minhas já tinham acabado. A impossibilidade de pernoitar me fez avançar na ideia do retorno.
Fui logo pedindo que praticassem o desconto de 80% de acompanhante de passageiro com deficiência, e a mulher respondeu que eu deveria ter preenchido um formulário com uma semana de antecedência. Quer dizer, então, que cadeirante não pode viajar de repente? Claro que nesse momento, sem comer e sem sonda, já estávamos alteradas. A mulher começou a ir pra lá e pra cá e, depois de uns 20 minutos, passou por nós sorrindo e dizendo que conseguiria emitir um dos bilhetes com desconto. Foi o tempo de rirmos aliviadas e ela voltar com aspecto de pânico, pois, enquanto resolvia o desconto, os assentos eram preenchidos.
Pedi ajuda para um amigo da companhia. Ele me encaminhou à supervisora, que resolveu, na normalidade, nos colocar num voo mais cedo. Mas que saiu muito tarde, já que o aeroporto estava fechado.
E quem não tem um amigo na companhia?
E quem não sabe que pode brigar por esse direito?
Cheguei em casa à uma da manhã me perguntando se ir a Brasília será sempre assim.
Aeroportos e companhias aéreas deveriam facilitar a viagem de quem tem deficiência.
*Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga, vereadora por São Paulo e foi eleita deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br