Que upa, Mamá! - parte I

por Redação
Tpm #66

Depois de alguns dias em Buenos Aires, Leonor conta todas suas impressões

Por Leonor Macedo

* como o texto está gigante, vou dividir em MUITAS partes.

Quem diria que em uma semana eu veria o Maradona fumando um charuto cubano em um jogo do Boca na Bombonera e pedalaria pelas ruas do Uruguai (lá Uruguay é com ípsolon)? Logo eu que, até bem pouco tempo atrás, só tinha ultrapassado uma única fronteira: "Aqui passa o Trópico de Capricórnio", lá na Rodovia dos Bandeirantes.

Eu e Daniel decidimos comemorar nosso primeiro ano de sobrevivência feliz (sobrevivência é porque não há registros anteriores na história da humanidade de uma corintiana agüentar por tanto tempo um palmeirense e vice-versa – e no ano que vem bateremos nosso próprio recorde) com uma viagem para qualquer lugar do planeta. Mas todas as minhas economias de uma vida inteira só me davam duas possibilidades: Valinhos ou Buenos Aires.

A idéia de ir para a Argentina foi minha, porque o Daniel já tinha estado por lá várias vezes. Não que eu não goste de Valinhos, mas queria fazer uma viagem internacional.

Assim, passei fome em São Paulo por três meses para conseguir comprar um punhado de dólares que pudessem me sustentar na capital argentina por uma semana. E agora que vocês já estão comovidos, posso começar a escrever o meu diário de viagem.

Diário de viagem – Segunda-feira

Foi o Santo Igor da Freguesia do Ó quem nos levou para o aeroporto de Cumbica às 6h da madrugada. Eu falava pelos cotovelos no banco de trás porque estava acordada desde as 4h da manhã de tanta ansiedade, Igor e Daniel dormiam nos bancos da frente.

Eu nunca tinha ido ao aeroporto de Cumbica, a não ser para levar e buscar minha prima Flávia, que mora nos Estados Unidos. Free Shop então, eu só tinha visto pela televisão. Levei só R$ 50, na esperança de que esse dinheiro desse para comer, comprar pedras brasileiras, cartão telefônico e voltar de táxi para casa quando chegássemos em São Paulo novamente.

Cinco minutos, duas águas, dois enroladinhos de salsicha, uma Carta Capital e uma Coca-Cola depois, me sobraram míseros R$ 2 no bolso. Passamos pelas 15 mil revistas do aeroporto sem apitar e adentramos o maravilhoso mundo dos produtos sem impostos.

*Pausa para desmitificar o Free Shop*

Caso você queira comprar coisas básicas de subsistência, como uma máquina fotográfica digital ou uma garrafa de Blue Label, o Free Shop me parece o melhor lugar. Uma Sony 7.0 megapixels pode sair por US$ 200 . Agora, se você, como eu, não entender quem é a besta que compra esse tipo de coisa no aeroporto e só estiver procurando uma barra de chocolate por R$ 2, o Free Shop é absolutamente descartável. Um chocolate Lindt pode custar a quantia absurda de 10 dólares. Ou seja, vão tomar no cu.

*Fim da pausa para desmitificar o Free Shop*

Com uma hora de atraso – o que, tratando-se de caos aéreo, não é atraso, mas para a minha impaciência foi bem desgastante --, saímos de São Paulo rumo a Buenos Aires.

Aterrissamos no aeroporto de Ezeiza quase 3h30 da tarde. Pegamos um táxi e fomos direto para o albergue, em San Telmo. Durante o caminho, o Daniel puxou prosa com o taxista que contou a situação política do país: um dia antes de chegarmos, houve o primeiro turno das eleições para a prefeitura de Buenos Aires. O resultado ficou para a disputa em segundo turno entre Macri (ex-presidente do Boca) e Filmus.

"Eu não voto em Macri. Sou River. E Palmeiras no Brasil.” – relinchou o taxista.

Fiquei com pena do argentino duplamente infeliz.

Ele também disse que um carro usado na Argentina dá para comprar com 12 mil pesos. E um novo, cerca de 20 mil. Olhei pelas janelas e comecei a reparar nos automóveis.

Meu Corsa seria um carro de luxo em Buenos Aires. A maioria dos carros por lá ou é muito velha ou é mais nova, mas pessimamente conservada. Dá a impressão de que o cara teve dinheiro há uns 10 anos para comprar um carro, mas depois de um tempo ficou difícil mantê-lo. Até os táxis são caindo aos pedaços. Pegamos um com o espelho retrovisor pendurado. Outro não tinha freio de mão e quando o taxista foi abrir a porta para subirmos (porque a porta só abria com um macete) tivemos de correr atrás do táxi.

***

Julieta nos apresentou o albergue. Casa antiga em San Telmo, um bairro bem próximo ao centro da cidade. A princípio, me pareceu um lugar bem barulhento, mas para quem mora na avenida Pompéia isso não era um problema. Depois vi que ficar em San Telmo pode ser a melhor opção para quem vai a Buenos Aires. É próximo de tudo e há uma linha de metrô ao lado do albergue. Fica entre os bairros de Puerto Madero, La Boca e o centro.

Tomei um banho e saímos andando pelas ruas do centro para conhecer um pouco do lugar e achar um bom restaurante que pudéssemos jantar. As pessoas passeavam com seus sobretudos, cachecoles, um frio de danar. Em cada esquina, um café ou uma casa de te (chá) para sentar e conversar. Assim como fazemos com as padarias aqui.

Era fim de tarde, céu escurecendo e na Plaza de Mayo tinha um piquete, bem em frente à Casa Rosada. Tiramos algumas fotos e chegamos à calle (rua) Florida, um lugar sensacional para comprar livros e CDs bem barato. O som alto do tango vindo das lojas tomava a rua toda, lotada pelos argentinos que trabalham no centro e sempre cortam caminho pela Florida. Foi assim que me apaixonei por Buenos Aires. Até um rapaz, na frente da Galeria Pacífico, me entregar um papelzinho e eu, encantada por ler tudo em castelhano, aceitar. Era um cartão de um signo e ele queria vender, mas eu educadamente devolvi e disse: “No, muchas gracias”.Foi quase o nosso primeiro "Che, boludo!", mas passou raspando. Cinco metros depois, um pseudopintor também vendia seus cartões:- É para ajudar uma escola.

- Não queremos – respondeu o Daniel.
- Mas por que você não quer ajudar uma escola?

E o cara era mais chato do que aqueles vendedores de entradas de teatro e livros de poesias da venida Paulista. Sei lá como, travou-se uma discussão ferrada entre Daniel e o argentino e eu fiquei espantada ao ver como meu namorado sabia tantas palavras em castelhano. E debutamos no "Che, boludo".

Che, boludo!” – falou o cara para o Daniel, apertando o saco.

Eu quase respondi que o Che era barbudo e não boludo, mas percebi que não era um bom momento de me pronunciar porque uma veia na testa do Daniel estava saltada e ele gritava que ia chamar la policia. Resolvi puxar meu namorado para dentro da Galeria Pacífico, porque o nome sugeria que ali dentro devia ser um lugar mais tranqüilo e nenhum pintor o ameaçaria de agressão física.

Achei uma sorveteria Freddo, uma das mais famosas do mundo, e pedi um maravilhoso sorvete de chocolate meio amargo. Putaquel, aquele lugar era mesmo a Europa na América Latina. Sorvete de chocolate meio amargo…

E fomos embora porque tinha sido emoção demais para um só dia.

A jornalista Leonor Macedo, 24, é mãe de Lucas e viajante profissional. Ela topou nos ceder seus relatos (encontrados no blog Indecências) sobre as experiências que viveu em cada viagem.

fechar