Tpm foi investigar como fica a liberdade quando as mulheres escolhem ser “do lar”
Abrir mão de trabalhar fora para cuidar da casa e dos filhos pode ser visto como um luxo – mas também como um caminho de volta a antigos papéis reservados a homens e mulheres. Tpm foi investigar como fica a liberdade quando elas escolhem ser “do lar”
Imagine que você é uma jornalista de sucesso, com cargo executivo em uma grande corporação. Tem 30 e poucos anos e está grávida de sete meses. De repente, seu chefe avisa que você vai ser promovida. Mais que isso, vai comandar uma fusão, o que significa ganhar uma nota, mas sofrer uma megapressão. O que você faz? A jornalista Claudia Visoni, 47 anos, passou por essa situação. E disse não. “Eu estava grávida de gêmeos, tendo que demitir pessoas, com meus filhos chutando dentro da barriga. Achei que era melhor eu me fundir comigo mesma”, ri.
Claudia hoje administra a educação e a alimentação dos gêmeos de 12 anos. Tenta comprar legumes frescos. Adotou o que chama de “filosofia do cuidar”.
“A nossa sociedade não valoriza quem cuida da própria casa, da família, da cidade”, diz, quase militando. Ela não está sozinha. Faz parte de uma corrente de mulheres que diz não para a cultura da hiperatividade e resolve voltar para casa e cuidar dos filhos. Isso sem abrir mão de valores feministas. Será possível?
O tema foi capa de uma edição de março da revista semanal americana New Yorke é assunto de livros e
blogs que chamam a onda de “novo feminismo”. Segundo algumas das adeptas, estamos querendo voltar para casa.
“Vejo isso acontecer entre mulheres com mais de 30 anos, que já trabalharam e sentiram que eram competentes. Uma hora, elas pensam: ‘É isso que quero para minha vida? Será que não quero cuidar da outra parte dela?’”, diz a psicóloga Cecília Troiano, autora de Vida de equilibrista – Dores e delícias da mãe que trabalha (Cultrix). De acordo com ela, isso não tem a ver com submissão. “Não são mulheres que querem ser dependentes do marido, mas que estão optando porque têm liberdade para escolher”, frisa. “Geralmente, elas já fizeram uma poupança e têm um plano B de carreira.”
Claudia reforça isso. Se considera feminista e entre suas bandeiras estão a diminuição da jornada de trabalho, a divisão de tarefas domésticas e o aumento das creches nas empresas. No caso da jornalista, ela trocou, por exemplo, a pressão de ter que decidir uma demissão pelo embate dos filhos, que não queriam vestir sozinhos a roupa depois da natação. “Na maioria das vezes, eu era a única mãe no meio das babás. Elas não iam perder tempo ensinando como eu. O que é natural, afinal, não são filhos delas”, conta Claudia, que sofreu um bocado até tomar a decisão. “Nossa cultura prega que você deve trabalhar muito para uma grande empresa que produza bens de consumo e consumir muito, senão, está de fora”, explica ela. Assim que deixou o trabalho, abriu uma empresa especializada em agricultura orgânica e hoje dá consultoria como “jardineira”. “Não dependia financeiramente do meu marido na época. Hoje, é ele quem sustenta a casa, mas não vejo como dependência, e sim como uma sociedade.”
Glamour? Não, arroz com feijão
Dar um tempo. Mudar. Essas ideias já estão nos planos da atriz Alinne Moraes, 30 anos, estrela da TV Globo no auge da carreira e, quem diria, uma mulher prendada, que adora fazer comida e se acalma lavando roupa. “Quero ter filhos, e penso que vou ficar ausente do trabalho para viver isso”, diz. No momento, ela está de férias (apesar de ter gravado em abril uma participação na série O dentista mascarado). Desde dezembro, Alinne se permitiu um descanso do trabalho, e um de seus programas preferidos tem sido ir ao supermercado e reproduzir as receitas de bolo da avó (leia a entrevista com a atriz na página 47).
Não é qualquer mulher que pode se dar a esse luxo, claro. Conseguir dar um tempo e se dedicar à família está ligado à classe social e ao tipo de trabalho de cada uma. “Dependendo da profissão, a mulher pode conseguir voltar ao mercado de trabalho depois de uns cinco anos fora”, diz a psicóloga Cecília.
No começo dessa mudança de vida, Daniela adotou atitudes radicais, das quais hoje ri. “Cheguei a me recusar a pegar a roupa do meu marido na lavanderia porque achava que ia virar uma mulherzinha”, diz. Mas foi só em outro país que ela começou a sair da zona cinzenta. “Resolvi que tinha que aproveitar o que era bom na minha vida, que era a liberdade. Quando mudamos para o Equador, para onde ele foi transferido, decidi que aquele seria o ano da experimentação. Estudei línguas, voltei a cozinhar [na Alemanha ela se recusava] e até descobri que sou prendada”, conta. “Comecei a fazer cursos de trabalhos manuais e acabei criando um blog, que no começo escondi dos amigos, de novo com medo de ser tachada de ‘mulherzinha’.”Largar a vida hiperativa de quem trabalha muito para cuidar de uma casa pode ser difícil. Que o diga a agrônoma Daniela de Paula, 41 anos, que tomou a decisão há cinco. Depois de mais de dez anos trabalhando sem parar, ela se apaixonou por um diplomata, casou e se mudou para a Alemanha com ele. O que poderia parecer um sonho para muitas mulheres, para Daniela quase virou um filme depressivo. “Passei dois anos perdida. Sempre me defini pelo trabalho, não sabia mais quem era, entrei numa espécie de limbo”, conta. Nesse meio-tempo ela teve uma filha e cuidou dela sem babá, mas o vazio continuou. “Aprendi que ninguém se define sendo uma coisa só. Não poderia me definir sendo só mãe e esposa”, explica.
Além da dificuldade de se sentir “excluída” por não trabalhar, Daniela teve que lidar com uma situação inédita: depender financeiramente de um homem. “No início, não comprava nem um grampo. Achava que não tinha dinheiro. Até que decidimos fazer uma divisão de renda”, explica. Isso significa que ele passou a depositar mensalmente na conta dela uma quantia definida pelo casal. “Gasto o dinheiro como quero, ele não interfere em nada”, diz.
Depois de tanta experimentação, Daniela está mais em paz com as escolhas que faz. “Temos que procurar a liberdade de ser o que a gente quiser”, ensina a agrônoma, que, este mês, retoma a profissão, agora como consultora do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil).
Coisa de mulher?
Algumas das defensoras de carteirinha da volta para o lar são radicais. Caso da escritora americana Suzanne Venker. Autora dos livros The flipside of feminism e 7 myths of working mothers (em tradução livre, O outro lado do feminismo e 7 mitos das mães que trabalham), ela afirma, em entrevista à Tpm por e-mail, que a mulher tem, sim, mais talento para cuidar da casa do que o homem.
“As mulheres são mais interessadas na casa e nos filhos. O que não significa que eu ache que a mulher não possa ser competitiva e respeitada como força de trabalho. Eu só acho que homens e mulheres não devem tentar ser iguais o tempo todo. Isso é contraproducente”, acredita.
Há quem discorde – e muito – dessa “tendência”. Caso da socióloga Bila Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não vejo essa tendência como uma realidade da mulher atual. Pelo contrário. A mulher está cada vez mais interessada em se inserir no mercado de trabalho. Mesmo as mulheres de classes mais pobres, que fazem trabalhos que podem ser considerados chatos, como o de faxineira, não querem virar donas de casa, elas se sentem ‘empoderadas’ por terem sua profissão e seu próprio dinheiro”, argumenta.
De acordo com a escritora inglesa Jessica Mann, 75 anos, autora do livro The fifties mystique (A mística dos anos 50), sobre a glamorização dessa década, algumas mulheres idealizam a vida em casa. “Isso acontece entre as mulheres jovens, que não viram as batalhas feministas. Elas fantasiam sobre as velhas formas porque acham que os direitos das mulheres são coisas que foram facilmente conquistadas. Mal sabem elas.”
A realidade na casa de Lola Aronovich, 45 anos, professora universitária e feminista, autora do blog Escreva Lola escreva, é bem diferente da pregada pelas “novas donas de casa” e não tem nada de anos 50. “O cuidar não precisa ser só da mulher”, diz ela, que é casada há 19 anos e divide as tarefas com o marido. “Desde que ele me conheceu, sabia que eu não iria aceitar não dividir.” Os dois moram em Fortaleza, em uma casa “não muito arrumada”, segundo ela. “Não cozinho bem, mas acho que melhor que ele. Por outro lado, é ele quem lava as minhas roupas”, conta Lola.
Ele lava, ela cozinha
Independentemente de poder optar por “ficar em casa”, escolher não trabalhar é um luxo ao qual poucas
podem se dar, como lembra a escritora gaúcha Clara Averbuck, 33 anos, mãe de Catarina, 9. “Só quem pode optar por isso [ser dona de casa] é a mulher de classe média, que tem recursos. A mulher pobre sempre trabalhou e viveu a dupla, tripla jornada. O lance é que antes a mulher de classe média ficava em casa por obrigação. Agora, se resolver ficar em casa, é uma decisão do casal. Particularmente, acho muito problemático uma pessoa depender da outra, mas o feminismo luta por liberdade de
escolha, e, se essa escolha for ficar em casa, que assim seja.”
No momento, Clara mora com a filha em São Paulo. Mas, por um tempo, viveu uma situação diferente. Estava trabalhando muito, a filha morava com o pai e era ela quem pagava pensão para o marido. “Prefiro não falar de valores, mas paguei durante esses dois anos em que ela morou com ele. Bancava a escola e mais uma grana”, conta.
Concordando ou não, querendo ou não voltar para casa (e podendo ou não), a realidade mostra que ainda são as mulheres que cuidam dos filhos no Brasil. E quem cuida do filho costuma cuidar da casa. Segundo o Dossiê Família Brasileira, realizado pelo Datafolha em 2007 (com 2.093 entrevistados de 211 municípios brasileiros), apenas 22% do cuidado (acompanhar as refeições, levar à escola, ao médico, ajudar nas lições) dos filhos fica para os pais. O resto, claro, é responsabilidade das mães.
Absurdo?Sim. Mas nada que surpreenda. Claudia, aquela mesma que largou um empregão para cuidar dos filhos, concorda. “Esse não pode ser um trabalho só da mãe”, ela diz. Seja essa mãe uma dona de casa ou alguém que trabalha fora.
*Colaborou Gabriela Sá Pessoa