Até a ciência deu o aval: choramos 4 vezes mais do que os homens. Choramos mais em quantidade, qualidade e em volume. Essa sensibilidade, traduzida em lágrimas, ajuda ou atrapalha a nossa vida?
Até a ciência já deu o aval: choramos quatro vezes mais do que os homens. Choramos mais em quantidade, qualidade e até em volume. Mas será que toda essa sensibilidade, traduzida em lágrimas, ajuda ou atrapalha a nossa vida pessoal e profissional? Afinal de contas, ser mais delicada, intuitiva, vulnerável é bom ou ruim?
Olhe bem para esta foto da Luana Piovani. Olhe de novo. Olhe uma, duas, três vezes... Sem dúvida, lágrimas sinceras. O momento foi capturado com a cumplicidade da atriz. Ela se obrigou a chorar e pediu para que o amigo e fotógrafo Miro registrasse. Queria marcar uma ocasião que se repete quase todo dia em sua vida. “Sou chorona. Tudo me faz chorar: cenas tristes, filmes, ter que me despedir do meu namorado, mesmo que eu vá vê-lo dois dias depois”, diz. “Sempre achei a tristeza bonita.” A senadora Heloísa Helena não é atriz, mas também se derrama quase diariamente em outro palco. Quem nunca a viu chorando nas sessões do Congresso? E quem nunca a viu esbravejando no mesmo cenário? “No mundo machista da política, lágrimas nunca ajudam. Mas eu entendo que o que deve permear o universo feminino e as nossas reações cotidianas é a decisão – ou não – de enfrentar o padrão masculino que dita as regras sociais”, dispara a senadora. “Eu prefiro enfrentar, seja argumentando, seja gritando, seja berrando, seja chorando.”
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Não é nem preciso dizer: a atriz e a senadora são mulheres de mundos distintos, radicalmente opostos. Mas a choradeira pública da dupla de estrelas – cada uma brilhando e vertendo lágrimas no seu planeta, diga-se – nos redime. Mulher, mesmo mulher poderosa, chora. E chora muito, chora sem pudor, chora seja qual for o seu habitat. Choramos, aliás, em nossas mesas de trabalho. Se esta redação for um microcosmo do universo feminino – e ela é – mulher de fato chora até trabalhando. Sem vergonha, sem culpa ou desculpa. Ao redor, enquanto rapazes lançam sobre nossas lágrimas olhares de medo e perplexidade, outras mulheres nos resgatam e oferecem colo. Enquanto nosso pranto tem a capacidade de paralisar o sexo oposto, atrai a cumplicidade das nossas colegas.
Qualidade, quantidade e volume
Há questões culturais, históricas e até hormonais que explicam por que gastamos tantas lágrimas no nosso dia-a-dia. De acordo com um pesquisador voraz do assunto, o oftalmologista espanhol Juan Murube Del Castilho, da Universidade de Alcalá, em Madri, as mulheres choram mais que os homens em qualidade, quantidade e até em volume. “Quando criança, meninos e meninas choram quase com a mesma frequência. Com a adolescência, o choro diminui muito mais nos homens do que nas mulheres. A razão para isso é simples. Historicamente, o homem foi educado para defender a tribo, para caçar. Qualquer demonstração de fraqueza colocaria o grupo em risco”, explica. “Consequentemente, homem reprime até hoje demonstrações de necessidade de ajuda. Mesmo quando chora a duração do choro é muito menor. No meu estudo, em que analisei 1100 episódios, concluí que o choro masculino dura quatro vezes menos do que o choro feminino.” Por isso, quando se deparam com a cena de uma mulher chorando, nossos rapazes não sabem como operar e entram em pânico.
Benditas lágrimas
A nossa choradeira, como se vê, é fato comprovado até cientificamente. E devemos, sim, continuar o pranto. Devemos seguir chorando sem culpa, sem medo da exposição. E mais: os homens estão procurando os consultórios dos psicanalistas para aprender o que a gente faz com tanta naturalidade: chorar. Por quê? Estudos recentes comprovam que sensibilidade aguçada, intuição funcionando a todo vapor, lágrimas derramadas quando – de fato – tem necessidade, todas essas “coisas de mulher” fazem bem para a saúde. E fazem muito bem para os negócios.
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Profissionalmente falando, sensibilidade pode ser uma arma poderosa, se aliada à intuição. “Ainda existem poucas mulheres em cargos de comando. Faço parte de uma organização que reúne presidentes de empresas. O grupo tem 250 homens e cinco mulheres”, comenta Luiz Fernando Giorgi, presidente da LFG Assessoria em Gestão Empresarial. “Mas isso está mudando. Cada vez mais, o mercado reconhece a eficiência da sensibilidade feminina. Concordo com a tese em voga de que, quanto mais mulheres no comando, melhor o ambiente entre as pessoas e melhor o nível de criatividade.” A notícia chega em boa hora para uma geração que viu suas mães exercerem o controle do lar como profissão e que tenta, ainda e à custa de muito esforço, vencer algumas fronteiras.
De acordo com Giorgi, temos duas características fundamentais para pilotar o barco – ou a frota: “empatia” e “senso de organização”. Trocando em miúdos, empatia, no vocabulário dos mundos dos negócios, significa sensibilidade, capacidade de se colocar no lugar do outro, aptidão para ouvir e entender os argumentos em prol do consenso. “A mulher faz isso muito melhor do que o homem, que é objetivo e tenta ganhar o jogo influenciando o outro”, diz o consultor empresarial. E senso de organização dispensa explicações. Afinal fomos educadas para pôr ordem na casa. Mas não vá concluir, no entanto, que desabar quando bem entende é sinal de eficiência. Usar a sensibilidade e – por que não? – a vulnerabilidade com sabedoria, sim, é sinal de eficiência. “No comando, as mulheres se comportam como se espera que se comportem. Isso à custa da repressão das emoções. Por isso, quando desabam, perdem o autocontrole, o que raramente ocorre com homens”, argumenta Giorgi. “As mulheres ficam chateadas com grosserias que os homens nem perceberiam. Perdem tempo. Há também a dificuldade de enfrentamento. Ficamos culpadas quando temos que apontar os erros dos outros”, emenda a antropóloga Mirian Goldenberg.
Biologia versus história
A eficiência – ou não – da sensibilidade depende do uso que se faz dela, sem dúvida. Esse poder feminino, no entanto, encontra respaldo até nos hormônios. Somos biologicamente mais preparadas do que os machos para gerir. Só temos que aprender a usar esse dom natural. “O estrógeno é mais gregário, induz algo em torno, já a testosterona é um hormônio mais competitivo, leva à maior objetividade”, diz a psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da USP Carmita Abdo. “Em posições de chefia, a mulher consegue montar equipes, ter grupos mais coesos, trabalhando de forma mais produtiva, mais empática. E isso tem a ver com os hormônios femininos, progesterona e estrógeno. O homem não tem o hábito de dividir. Ele não tem gestação, não amamenta, não agrega. Além disso, a mulher tem um pouco de testosterona também, que lhe dá a condição de atividade. Temos um casamento de hormônios que nos dá características mais complexas”, completa.
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Para Carmita, a conclusão é muito simples: a tal da sensibilidade feminina só é positiva quando a mulher administra sua capacidade para formar, organizar e perceber as necessidades das pessoas dentro de um grupo, uma empresa, uma comunidade. Resumindo, é preciso autoconhecimento. Biologia, claro, é só um lado da moeda. A construção cultural comanda boa parte de toda essa história. E os ventos estariam soprando em favor da chamada androginia. Os comportamentos masculino e feminino são fruto de 5000 anos de estrada, desde que a cultura patriarcal entrou em cena, impondo ao homem ideais como força, sucesso, poder, coragem, ousadia. E à mulher, sensibilidade, fragilidade, delicadeza, dependência. O patriarcalismo, sem dúvida, rachou o mundo em dois lados. Essa muralha, no entanto, vem desmoronando desde a invenção da pílula, dos movimentos feministas, da contracultura. O que se acredita é que estamos caminhando para o equilíbrio. O caminho ainda é longo, cheio de obstáculos, mas a fronteira desses dois mundos estaria virando lenda. “O que vem aí é uma cultura que independe do sexo. A cultura patriarcal criou pessoas mutiladas: homem não chora. Mulher não pode ser corajosa. Os mitos da masculinidade e da feminilidade estão por um fio”, acredita a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins, autora do best-seller A Cama na Varanda e do ainda inédito O Livro de Ouro do Sexo, que sai do forno em novembro. “Não sei se as mulheres estão chorando menos. Só sei que os homens estão chorando mais. Houve uma mudança de comportamento e a publicidade acompanha isso”, emenda o publicitário Washington Olivetto. “O melhor comercial que eu fiz usando o choro foi com homens. Publicitariamente falando, não existe mais mulherzinha, nem machão.”
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Sensibilidade prática
Futurologia à parte, a delegada Márcia Delgado, chefona da Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, enfrenta um dia-a-dia de homem com arma ainda bem característica de mulher: sensibilidade. Sempre que tem que agir, saca a intuição. “Tenho que estar sintonizada com as necessidades do outro. Se um policial toma uma atitude errada, pode privar uma pessoa da liberdade. Tenho que pensar rápido e acho que ser mais sensível do que meus colegas ajuda”, comenta. E como fazer para não deixar a rotina endurecer? “Nunca consegui ir às festinhas na escola dos meus filhos e não me debulhar em lágrimas”, ensina a fórmula. Fórmula, aliás, testada e aprovada por outra mulher que enfrenta um cotidiano de sofrimento, a terapeuta Bel César, autora de três livros, entre eles O Livro das Emoções, e especialista em pacientes terminais. “Para mim, lamentar é expressar minhas mágoas. Alivia a pressão interna. Também desperta compaixão, compreensão e até proteção”, diz. “A questão não é intuição ou sensibilidade. Mas o que você faz com isso. Eu choro muito. Funciona como uma permissão de intimidade com meus pacientes. O choro descongela”, garante.