Pesadelos pra adoçar

por Natacha Cortêz

Julia Pott começou a desenhar pra evitar sonhos ruins e hoje é promessa do cinema de animação

Quando era criança, Julia Pott, 27, se juntava à irmã e desenhava as histórias que gostaria de sonhar antes que caísse no sono e pesadelos invadissem sua mente. Era tudo ideia da mãe das meninas, que querendo protegê-las das noites de sustos e xixi na cama, provocava a criatividade das duas para que tivessem devaneios mais leves, porém não menos fantasiosos. Foi assim que Julia conheceu um detetive mergulhador que tentava derrubar um rei de nome Titan. Mas também foi por causa dos pesadelos, ou da tentativa de evitá-los, que ela encontrou no desenho uma atividade “incrivelmente calmante e ao mesmo tempo quase viciante” da qual não conseguiu mais se separar.

Hoje ela ilustra, ganha a vida com os mesmos desenhos de sua infância, mas não só. Desde que se mudou para Nova York, a britânica deu outra vida aos seus traços transformando-os em animação 2D e de lá pra cá trabalhou para bandas como Bat for Lashes e The Decemberists, e empresas como Channel Four, Etsy, J.Crew, Malibu Rum, MTV e Toyota. Entre rabiscos e filmagens, criou Belly, seu trabalho mais bem conceituado até agora. Um curta metragem que levou oito meses pra ser finalizado e que conta o drama de Oscar, um garoto que precisa deixar algo de sua infância para trás mesmo sentindo esse algo o tempo todo em sua barriga. A obra acaba de ser selecionada para o Festival de Sundance deste ano.

Conversamos com a artista sobre carreira, planos, Nova Iorque e mudanças inesperadas que colocam a vida em rumo mais feliz.

"Eu acho que sair do meu país e vir para Nova York inspirou uma mudança no meu trabalho. E ela me fez corajosa e meu trabalho tornou-se assim também"


Sempre se imaginou desenhando? Ou tentou outras coisas antes?
Julia - Cheguei a pensar em outras coisas. Mas é porque tinha medo de não conseguir me sustentar financeiramente com os desenhos. Mas no final decidi que prefiro lutar e fazer o que eu amo, do que me contentar com algo mais estável e sempre estar tentando encaixar o que eu amo no meu tempo livre. Eu vi muitas pessoas optarem por esse caminho e elas sempre parecem insatisfeitas, divididas em duas direções.

O que te inspira a desenhar?
Eu uso o desenho e a contação de histórias quase como um diário, trabalhando através de coisas que aconteceram comigo e tentando dar sentido a elas. É uma atividade extremamente terapêutica. No momento estou obcecada com criaturas assutadoras, provavelmente as que povoaram minha infância, e coisas estranhas que se relacionam com nossas vidas diárias. Como casar o mundo estranho com o mundo diário.

Como você começou a fazer filmes? O que despertou esse desejo?
Quando eu estava estudando ilustração uma professora disse, “a ilustração é apenas uma partida fora do ponto, e você sempre pode imaginá-la se movendo e tentar contar uma história. Senti que aquilo era pra mim e fui tentar fazer filmes. E  amo contar histórias e acho que fazer filmes é a melhor plataforma para isso.

Que outros artistas você admira e são referência para o seu trabalho?
Eu sempre fui uma grande admiradora de diretores de cinema.  Eu sou uma diretora de cinema presa em um corpo de animadora. Então minha fonte são os filmes. Eu amo como o diretor Rob Reiner e o John Hughes filmam e em como fazem comédia romântica nostálgica. O cinema da minha infância também tem uma enorme influência, como os clássicos Gremlins e ET. Adoro assistir terror, amor e comédia. A literatura é outro excelente ponto de partida para ideias. Eu gosto das obras de Kurt Vonnegut, Irving Jon, Haruki Murakami e JD Salinger. Uma linha brilhante em um livro pode acender meu cérebro para uma idéia para um novo filme.

Como a mudança para Nova Iorque influenciou seu trabalho?
Nova York criou uma plataforma totalmente nova para a minha forma de trabalhar. Vivendo aqui eu sinto que estou vivendo em uma comédia romântica dos anos 90 – é tudo tão  icônico e as pessoas são muito diferentes do que estou acostumada no Reino Unido. Eu acho que sair do meu país e vir para Nova Iorque inspirou uma mudança no meu trabalho. E ela me fez corajosa e meu trabalho tornou-se assim também.

Como é seu processo criativo?
Se eu estou começando uma animação gosto de passar uma grande parte do tempo desenvolvendo a história. Acho que algo pode ser realmente lindo, mas se a história não é forte, você não pode segurar a atenção dos espectadores.  Escolher um personagem é como escolher um namorado - você tem que gostar dele o bastante para querer olhar para ele por um espaço significativo de tempo, dia a dia. Você fica preso neles. Cada filme parece sempre um pouco mais forte que o anterior, porque há mais em jogo. Você está colocando um pouco mais de si mesmo lá fora, e deixar-se vulnerável, que pode ser assustador e emocionante.

Em seus filmes, podemos ver desenhos com estilo infantil, mas temas adultos e  intensos. Por que misturar esses dois?
Eu sempre achei a animação como um todo pode ser mais fácil de digerir do que de ação ao vivo. Quando você está lidando com temas adultos e miséria, se ele está envolvido neste pacote mais acessível a mensagem é menos dura, mais fácil de engolir, mas ainda presente. Gosto de encapsular horror, humor e tristeza em todos os meus filmes porque são todos  partes da vida.

Assista ao curta metragem Belly:

Aqui, o trabalho que Julia fez para a banda Bat for Lashes:

Vai lá: www.juliapott.com

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