Pelo direito de tomar sorvete

por Tania Menai
Tpm #128

Onde burcas, dietas e revistas masculinas se encontram?

Quando a maior parte do mundo descobriu o que era o Talibã, um dos aspectos mais chocantes (aliás, todos são) foram as mulheres totalmente cobertas de azul: burcas que simbolizam hierarquia, dependência, um status social inferior. Burcas que ativistas sociais lutam para aniquilar. Não há motivo religioso, apenas político. Como uma criança vai reconhecer a mãe caso se perca na rua? Como se vive escondendo-se do mundo? Como se sobrevive sem estudar, sem ler? Até que alguém, em algum texto brilhante que li na época, declarou: impor às mulheres que elas sejam eternamente magras, sem celulite, malhadas e lindas de morrer o tempo todo também é uma forma de Talibã. E eu concordo. Mas o pior é que as próprias mulheres compram a ideia da perfeição absoluta. Gente, e o sorvete de chocolate, onde é que fica?

Não quero soar arrogante de forma alguma, mas, de novo, a comparação é inevitável: o papo dieta disso, dieta daquilo e plástica não sei onde aos 40 anos não faz parte das rodas de conversa que tenho aqui, em Nova York. Claro que todo mundo se cuida, esta é a cidade “mais magra” dos EUA, com a maior quantidade de academias per capita do país. Mas, quando eu chego ao Rio de férias, é um tal de dieta da lua, do abacaxi, fulana usa Botox (palavra que aprendi no Brasil), sicrana esticou os olhos, a outra não perdeu o peso da gravidez. Saio desses papos bocejando. A minha impressão é que essas coisas são totalmente atreladas à felicidade. Espero estar errada.

Claro que nem todo mundo é assim. Mas confesso que as mulheres mais incríveis que já entrevistei não eram deusas do Olimpo. São cientistas, executivas, ativistas. Isso não significa que elas não sejam lindas e sensuais. Sei lá se elas têm celulite. Só sei que elas têm algo grandioso a dizer. Aqui, as atrizes não precisam posar nuas em revistas para alcançar algum status. Nem elas nem mulheres famosas por algum outro motivo. Nudez banal não deveria fazer parte do currículo de uma atriz – pena das que acham que precisam se provar assim. Por que os homens também não fazem o mesmo? Essa banalidade com o corpo feminino me incomoda. De qualquer forma, a boa notícia é que qualquer uma de nós poderia estampar uma capa da Playboy, já que todas as peladas passam por um belo Photoshop antes de chegarem às bancas. Ainda assim, auguri para nós, que guardamos a nudez para quem merece.

 

Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 17 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York, no site da Tpm, e também do site www.taniamenai.com

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