Antonia Pelegrino diz que detesta admitir mas viajar sozinha não à assusta
Você deve conhecer alguém que detesta ir ao cinema sozinho. Talvez você mesma deteste. E, se você detesta, aposto como também tem pavor de pedir mesa para um em restaurante. Eu sei, você fica imaginando que tá todo mundo te olhando e constatando o quão micada você está aquela noite. Você pega o celular e fala com amigos, de modo a não se sentir só. Você come rápido e pede a conta antes da última garfada, torcendo para chegar ao fim dessa refeição sem ter encontrado um conhecido, uma testemunha do seu fracasso. No momento em que você entra no carro, a pressão se desfaz e você dirige aliviada para casa.
Para quem é assim, a ideia de viajar sozinha é aterrorizadora, logo não faz sentido. Melhor ficar em casa, perto dos amigos, da família, do seu amor, mesmo que você esteja de férias e tenha dinheiro para viajar e seja louca para conhecer o Butão e a sua empresa aérea tenha uma promoção incrível para lá. Se você não tem companhia, não rola.
Hello, stranger
Eu morro de medo de falar em público, mas viajar sozinha não me assusta. Já fiz várias, todas longas, várias prolongadas ao longo da viagem. Acho que é um tipo possível e desejável de viagem. Viajar sozinha é uma espécie de pleonasmo, na medida em que radicaliza o sentido de liberdade do viajante. Por mais raro que seja hoje em dia viajar como viajante, incorporando o acaso, viajar sozinho pode ser bem old school. Eu gosto.
A minha experiência é de que, sempre, o pior momento da viagem é o primeiro dia. Dá uma angústia horrível, bate medo e arrependimento de ter saído do conforto de casa pra se jogar do outro lado do mundo. Dá uma preguiça horrível de deixar o quarto e a melhor desculpa é sempre o jet lag. No dia seguinte, as coisas já melhoram. Você teve tempo de olhar os mapas, guias e sites. Você já se sente mais confiante. Se tiver algum amigo na cidade, provavelmente você vai encontrá-lo. Se tiver um amigo de um amigo, você vai torcer para ele querer te encontrar. E se você não tiver nenhum conhecido de terceiro grau, vai enfrentar o restaurante, o museu ou a praia acompanhada de um bom livro e da sua máquina fotográfica. E aí, dependendo da sua personalidade, você, mais cedo ou mais tarde, vai acabar conhecendo alguém. Porque viajando sozinha a gente fica muito mais receptiva às novas pessoas. E acaba conhecendo gente por quem talvez você não se interessasse em seu ambiente. E muitas dessas pessoas não vão ter nada a ver com você, mas algumas, às vezes uma, terá. Aí é o começo de uma amizade e isso é sempre lindo. Uma grande vantagem do contemporâneo é a facilidade de cultivar essas amizades DDD.
Até que, se você der sorte e for um bom viajante solitário, você acaba descobrindo o melhor lado dessa experiência: você cai na enorme rede de socialidariedade/sociabilidade entre pessoas como você pelo mundo. São amigos de amigos em toda parte, são programas, dicas, passeios de insiders - nada parecido com a tediosa vida de turista que você conhecia até então. Nesse momento, você pega gosto pela coisa, não tem mais vontade de voltar, você só quer ser aquela rolling stone da música do Dylan, "with no direction home".
Antonia Pellegrino, 30 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br