Olhos nos olhos
O que pra mim é só um embarque, pode ser um impacto irreversível para a vida de alguém
Créditos: Joana Resek
em 10 de novembro de 2011
Costumo pedir para ser a última a embarcar para não passar tanto tempo dentro do avião, já que pelas regras atuais serei a última a desembarcar. Viajo sempre com uma assistente e tenho assento nas primeiras cadeiras do avião. Estacionamos a cadeira na porta. Minha assistente me desloca um pouco em direção à roda da cadeira, para as costas ficarem mais livres, e me abraça por trás enlaçando seus braços na minha barriga. Enquanto isso, um funcionário da companhia aérea eleva minhas pernas com o braço por baixo dos meus joelhos. É assim que entro no avião. Com duas pessoas me carregando.
Quem estiver com o olhar perdido para a frente do avião inevitavelmente irá assistir. Como para mim essa virou uma forma comum de transporte, me sobra tempo no traslado para observar olhares e expressões: tem sorrisos, olhares de pânico, desejo de ajudar, cara de compaixão, de “como ela consegue viver assim?”, rostos cobertos de admiração, de curiosidade, de reflexão… Acontece o mesmo na saída do avião, onde os passageiros se transformam em comissários e funcionários.
Posicionamos a cadeira no melhor lugar para a chegada comigo no colo. Na hora que eu apareço na porta do avião, alguém de fora corre, pega a cadeira e a tira do lugar. É uma ansiedade incontrolável que a situação desencadeia nas pessoas.
As equipes têm sido muito gentis – Infraero e TAM sempre me acompanham até a saída e ajudam o motorista, que geralmente me coloca sozinho no carro.
E outros olhares me seguem, alguns até se movimentam para obter mais informações, e eu, quando os meus olhos tocam o brilho e a atração de outro olhar, deixo como resposta um sorriso permissivo cuja tradução em palavras é:
– Olhe, olhe mesmo… No seu lugar eu também olharia.
E nesse diálogo silencioso muitos ouvem:
– Se está bom para ela assim, tem que estar maravilhoso para mim.
Eu, deputada
Quando chego à Câmara Federal e componho o grupo de 513 parlamentares, os bons efeitos da prosa tácita e da falada têm se materializado em formato de emendas, em projetos de leis e medidas provisórias. Claro que nada ali acontece por compaixão, mas sim por reflexão.
Eu não cheguei até lá para brincar de ser tetra no parlamento… Até para subir na tribuna e falar demanda mais tempo e trabalho. Isso motiva a audição dos deputados, que geralmente me ouvem com atenção. Essa onda positiva tem se tornado projetos e programas que beneficiam as pessoas com deficiência
e, por consequência, toda a população. Extrapolou os limites arquitetônicos da Câmara para contaminar ministros e, principalmente, a nossa presidente – que já me mandou recado de que reveria o projeto de educação contemplando as pessoas com deficiência.
Além das transformações de acessibilidade que fizemos na legislação do projeto Minha Casa Minha Vida, no programa de profissionalização do jovem brasileiro (Pronatec), nas lan houses, nas escolas reconstruídas por conta de desastres naturais etc., o programa do governo federal ouviu todas as nossas sugestões na saúde, no trabalho, na educação e na infraestrutura. Estamos aguardando o lançamento do programa. Espero que consigamos reverter os anos de exclusão histórica.
No mais, sigo fazendo boas relações no dia a dia.
No fim, o tamanho do amor define a direção de algumas conquistas!
*Mara Gabrilli, 44 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br
LEIA TAMBÉM