por Mara Gabrilli
Tpm #120

Durante o show do Chico Buarque, fui invadida por um gigante amoroso em todo o meu corpo

Vamos falar de amor... Lhe parece piegas? Piegas é falar do trânsito, da violência, dos programas mais comuns de TV...

Mas tudo depende do que se fala!

Para subir pela plataforma que me leva à tribuna, ficar em pé na cadeira de rodas por mais de uma hora lendo um relatório de uma medida provisória recém-saído do meu coração, tem amor. Colocar eletrodos por todo o meu corpo e assistir ao músculo pular, enrijecer, ao batimento cardíaco alterar e à minha forma mudar... também tem muito amor nisso. O tema até me liberou para uma coisa que não gosto e que não faço, que é escrever a mesma palavra duas vezes, uma ao lado da outra, com apenas uma interrogação a separá-las. Não me incomodou em nada, pelo contrário, eu estou te contando de tanto que gostei.

E aonde a gente chega quando ama? No pico alto da felicidade. Na preocupação, na delícia, no discordar e nas variações. O amor apaixonado pode dar permissão ao desamor, ao amor doce, amargo, quente, frio, gelado, morno. Fui ao nutricionista... Comer tem sido matéria constante nas minhas horas. Fora o ato em si e o sexo, comer tem se manifestado também na reflexão da alimentação. Quanto mais amor se coloca nisso, maior qualidade entregamos à vida.

Nas alturas
Chegamos ao show do Chico Buarque sem nenhuma expectativa. Os bombeiros já nos esperavam para nos encaminhar direto ao grupo. Lá estavam a Leide e sua maca mágica, cheia de equipamentos, cuidadoras, fisio, médico, amigos e família. Todos em uma alegria contagiante de poder proporcionar isso à Leide. Há alguns anos ela foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença que paralisa todos os músculos do corpo, deixando a pessoa respirando com ajuda de aparelhos e comendo através de gastrostomia. À Leide sobrou apenas um discreto movimento ocular, que ela usa para escrever livros de poesia. Todo o seu corpo e o rosto paralisados estavam estrategicamente focados para não perder o Chico Buarque de vista.

Um surpreendente ato de amor à vida, à música, a quem a acompanha. E, enquanto isso, várias meninas se revezavam para piscar seus olhos, evitando que sua única fonte de comunicação secasse. Demonstração de amor num ritmo dos olhos. Essas meninas precisam se despir delas mesmas para entender o que a Leide deseja. Isso é amor ao próximo.

E como Chico Buarque sabe falar de amor: “O meu amor tem um jeito manso que é só seu/ Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos/ Com tantos segredos lindos e indecentes/ Depois brinca comigo, ri do meu umbigo/ E me crava os dentes”. Fui invadida por um gigante amoroso em todos os movimentos do meu corpo... físicos e da alma! Dancei, beijei e sorri muito. Você já falou eu te amo pra alguém hoje?

Mara Gabrilli, 44 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

fechar