Mulheres do mundo todo

por Giane Gatti

Um papo com Yann Arthus-Bertrand e Anastasia Mikova, diretores de Woman, filme que investiga o feminino em entrevistas feitas em 40 países

Após mostrar a essência da natureza humana em Human, o cineasta, fotógrafo e ativista francês Yann Arthus-Bertrand se junta à jornalista e cineasta ucraniana Anastasia Mikova para dar voz às mulheres. “As mulheres têm um bom senso instintivo que os homens não têm. Elas são muito mais corajosas. As rainhas da ecologia são mulheres: a primatóloga Jane Goodall, a indiana Vandana Shiva, Mariele Franco pelos direitos humanos no Brasil”, essas são palavras de admiração de um homem de 73 anos com 40 de carreira.

Arthus-Bertrand foi um dos precursores das fotos aéreas, seu livro Terra vista do céu vendeu mais de quatro milhões de exemplares, em 27 idiomas, 12 escolas na França levam seu nome, é embaixador da boa vontade para o Programa do Meio Ambiente da ONU e também imortal da Academia de Belas Artes na França.

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Woman é mais intimista e profundo do que o anterior Human (2015), com testemunhos de homens, mulheres e crianças. “Foi a melhor coisa que já fiz”, acredita Arthus-Bertrand.

Desta vez, ele se manteve mais nos bastidores e deixou cinco equipes com mulheres jornalistas à frente do projeto. O filme, cujas gravações levaram mais de dois anos e foram feitas em 40 países, incluindo o Brasil, reúne algumas das três mil entrevistas realizadas. Sonhos, medos, sexo, violência, maternidade, família e trabalho são os principais temas abordados. Em novembro do ano passado assisti à filmagem de algumas entrevistas em São Paulo e os depoimentos são contundentes. 

As entrevistas no Brasil foram feitas nas regiões Sudeste, Centro-oeste, Norte e Nordeste; foram coletados 48 testemunhos, na cidade de São Paulo, na Chapada dos Guimarães (MT), em  Boa Vista (RR), na Terra Indígena Yanomami (RR) e em Salvador (BA).

Mais de 80% das entrevistadas nunca haviam falado em frente a uma câmera. Mas também há a participação de mulheres famosas, como a nutricionista, modelo e mãe de Elon  Musk, MayeMusk; a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson; a atriz Cameron Diaz, além de CEOs, astronautas etc. O objetivo é dar a palavra a todas elas e também mostrar do que são capazes, apesar das dificuldades.

Em Paris, Yann Arthus-Bertrand e Anastasia Mikova conversaram com a Tpm sobre o filme, que será lançado no segundo semestre deste ano.

Trip. Por que fazer Woman após Human”?

Yann Arthus-Bertrand. Depois de um filme como Human, é difícil achar algo tão forte, você não quer voltar a descer. Mas achei que, apesar dos depoimentos fortes, não tínhamos trabalhado o suficiente sobre a coragem e o bom senso das mulheres. Elas têm um senso maior de proteção da família. Estão menos na ambição da carreira e também têm menos ego.

Anastasia Mikova. Ao final de Human, Yann e eu nos perguntamos o que fazer agora, já que esse projeto era tão enorme, que tornava difícil encontrar uma causa que fosse além. Naturalmente, nós dois dissemos: vamos dar a palavra às mulheres. Elas precisam de uma janela hoje para serem ouvidas e nós vamos criar essa janela. E foi assim que o projeto começou.

O que mais marcou vocês ao realizarem esse filme?

Arthus-Bretand. O filme evidencia a resiliência – esse poder da mulher de transformar a dor em algo positivo. Quando uma mulher testemunha é sempre muito forte. É formidável!

Anastasia Mikova. Elas me contavam coisas terríveis e eu pensava: "Era mais lógico que essa mulher nem conseguisse ainda estar aqui". Violência, incesto... Mas elas estavam lá de pé, fortes e encontravam ainda um sentido em suas vidas. Ao final das conversas, elas me diziam: "Não sei a razão de você ter me escolhido, nem sei se sou interessante". E a mensagem mais importante a passar é que sim, elas são interessantes! Se apenas pegássemos essa força e permitíssemos que elas florescessem, você imagina como o mundo poderia ser diferente? Muitas vezes no final, a gente conversava muito e eu perguntava: "Foi realmente bom para você fazer isso? Se você mudar de ideia, não hesite, não queremos te levar a fazer isso". E muitas respondiam: "Não sei se estarei no filme, não sei se você vai manter alguma coisa, mas isso não tem importância. O que eu disse aqui hoje estava guardado dentro de mim a vida toda. Nunca havia contado a ninguém. Foi um ótimo momento e não me arrependo". Ouvir isso é o mais lindo presente. É por isso que fazemos. Saem essas coisas. E, se podemos ser intermediários, já ganhamos com isso.

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E os depoimentos sobre a maternidade? É um assunto importante para as mulheres.

Arthus-Bertrand. Nesse filme, entendi também por que muitas mulheres não querem ter filhos, devido à perda da liberdade. Antes, eu não entendia isso, era como um preconceito, mas agora entendo.

Anastasia Mikova. Queríamos mostrar todas essas mulheres que têm filhos, que não têm, que adotaram, mostrar a infinidade de situações e se perguntar: "Será que podemos ser mulheres sem sermos mãe? Será que hoje é algo possível?  Será que somos mulheres completas ou não se não somos mães? Então, no filme, mostramos as diferentes histórias que existem, cruzamos os olhares. Nós não damos respostas. Nós não estamos aqui para dar respostas claras. Mas se perguntar já é uma maneira de responder, porque eu penso que há muitas mulheres que tiveram filhos, que foram por um caminho sem jamais se perguntarem por que os tiveram. 

O que mudou para vocês na percepção que tinham das mulheres?

Arthus-Bertrand. O lugar essencial da minha mãe na minha vida, que eu não percebia. Passei muito mais tempo com a minha mãe, pois era ela quem nos criava enquanto meu pai trabalhava. Mas eu me ligava só no meu pai, que era quem colocava dinheiro dentro de casa. Quase a desprezei por ela não trabalhar e ficar em casa cuidando de mim e das minhas irmãs. Ela não teve essa chance. Acho que não a amei muito.  

Anastasia Mikova. Quando estávamos escolhendo os temas das perguntas que faríamos, disse a Yann que a menstruação tinha que estar lá. E ele achou que não tinha nada a ver. "O que há para se falar sobre isso?" Mas eu insisti e, após ele ouvir os primeiros depoimentos, veio me falar: "Caramba, é muito doido hein, tudo que há em torno da menstruação! Culturalmente, ao nível do corpo, o que muda, o olhar dos outros". Para mim, foi uma pequena vitória e pensei, se faz isso com ele, com 72 anos, muitos homens também vão ver e olhar a esposa e as irmãs de uma maneira diferente. Tentar compreender algo já será uma vitória. É a compreensão do outro, como ele funciona, por que ele funciona assim.

As mulheres têm uma representatividade muito baixa ainda na política e na liderança de empresas. O mundo seria melhor com mais mulheres no poder?

Arthus-Bertrand. Não sei... Em Ruanda, devido ao genocídio, é grande o número de mulheres na política e há um grande progresso no que se refere à educação, à proteção da infância. Em negociações internacionais, as mulheres costumam ter mais êxito.

Anastasia Mikova. Se as mulheres fariam melhor do que os homens? Não sei, mas poderíamos experimentar para ver. Os homens já fazem há dois mil anos e acho que já vimos bem como é. Pode ser que elas mandem mal também, mas nunca experimentamos. Estamos num mundo que busca por soluções, então por que não tentar diferente? Reequilibrar as coisas, se questionar... Por que essa maneira de persistir no muro até que seja tarde demais?

Se você pudesse ser entrevistado no filme, o que diria?

Arthus-Bertrand. Queria que os homens fossem vê-lo com muito amor. Eles vão pensar em suas mães, mulheres, irmãs... [Arthus-Bertrand é o único filho homem e o mais velho de cinco]. Fazer Woman, ouvir as pessoas... Isso me transforma. São projetos que vão além de você, te ultrapassam. As mulheres me tornaram mais inteligente. É corajoso, por exemplo, falar de sexo e de violência na frente de milhões de pessoas.

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Anastasia Mikova. O por que de chamarmos o filme de Woman e não Women [mulheres no plural]? É porque, mesmo se todas as histórias são singulares e diferentes, há algo visceral que nos une além das palavras, culturas e tradições e que não encontramos palavras para expressar. E é isso que eu quero que as pessoas sintam. Algo que nos une e que é especial. Espero que para os homens seja uma janela que se abra para um mundo que muitos não conhecem nem desconfiam.

Créditos

Imagem principal: © Yann Arthus-Bertrand/Divulgação

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