O dia em que acabou

por Redação
Tpm #132

Quatro mulheres e um homem escrevem sobre o momento em que perceberam que um relacionamento tinha chegado ao fim

Olho fosco

por Tainá Müller*, 31 anos, atriz

Um amigo certa vez me disse que a gente sempre sabe o exato momento em que o amor morre. Contou que no caso dele foi quando ela chegou em casa e pendurou o guarda-chuva molhado. Algo naquele pequeno gesto banal fez com que ele percebesse o final da história, como num estalo. Eu concordo. Sempre há aquele momento exato em que a ficha cai e a gente simplesmente entende (ou aceita) que não há mais nada lá. O sorriso triste desta foto só reparei depois, com a distância do tempo. Suponho que, mesmo sem saber, já pressentia o fim da linha. Aliás, todas as fotos da época que antecede sua partida têm algo que entrega o subtexto. Seja no olho fosco, na cara apagada ou num riso-só-de-boca, tipo criança que recém-aprendeu a posar.

Mas foi só no dia em que a garganta secou, desertificada por um vazio imenso, que fui perceber o sentimento esvaindo do plexo. Uma artéria aberta sem torniquete possível. Não havia mais nada a ser dito ou discutido, nada pelo que lutar. Com a casa vazia, nenhuma frase. Ou melhor, uma só: a palavra é última coisa que seca quando o amor acaba.

*Tainá, 32 anos, atriz, está no ar com a novela Flor do Caribe, na Rede Globo

Inevitável

por Bárbara Eugênia*, 33 anos, cantora

Sem saber do que se trata
Ando apenas a procurar
Pego pela mão e tento guardar em mim
O que havia em você
Que me fez dormir

}
Que sonhou em minh’alma
E guardou-se na cama
Dobrou os lençóis
Fez um travesseiro das lembranças fortuitas
Que assim se perderam na teia da vida
E o amor que me veio
Fez-se então em seguida
Fez-se pó em ruína
Misturada com água
Ergueu-se de novo
Formou-se castelo
Firmou bases sólidas
Cresceu em muros
Virou Fortaleza
Com um pouquinho de açúcar
Encheu-se de flores
E bosques e rendas
Ficou colorido
Sorriu, voou…

Acabou. E é difícil reconhecer o fim. Assimilar, absorver, aceitar.

É aquela velha e conhecida história: o romance começa no doce e termina no caroço.

A gente se arrepende de certas atitudes. Uma relação romântica tem várias fases e sempre tem um momento em que algo se complica, ninguém explica, mas todos vivem e todos morrem e todos sofrem e todos sonham...

Tenho uma música da qual me orgulho muito. As histórias rendem. Algo de positivo sempre fica.

Fui embora, larguei tudo o que fomos
Sonhos que construímos, a casa que sonhamos
Fui embora, larguei tudo o que rimos
O quarto em que dormimos, a vida que levamos
Precisei não te fazer sofrer ainda mais
Precisei me ver feliz, estar em paz
Tinha medo do que seria, medo de ficar sozinha
De ficar sem esse amor que foi meu lar
e meu coração
Foi meu abraço e meu cuidado
Mas passou a não bastar
Tive que fugir pra tentar chegar em algum lugar
Tive que fugir pra tentar chegar em algum lugar, eu tive
Tenho que me despir de tudo pra ver o que realmente há
Você foi meu amor e por isso agradeço
E me fortaleço sabendo que amor assim
Já esteve aqui e um dia vai voltar

Chega um momento em que você percebe que algo está errado. E se pergunta: o que será?

Não sabia exatamente o quê. Mas tinha um nó, um pressentimento. E isso foi se tornando uma insegurança profunda. O encontro tornou-se sofrido. O amor virou medo. Milhares de interrogações pipocavam, nasciam, cresciam e morriam dentro de mim. Eventualmente chegou o dia fatídico, a hora da ceifada, o ponto final quando num acordo louco, surreal, incompreensível, decidimos nos separar. Não havia razões lógicas, mas era necessário. Separação com amor é osso, não o seu oposto. Dureza mesmo.

Sempre há aquele reencontro ou dois ou mais (uma última DR – sempre tem mais uma ou duas...) que acabam numa noite de sexo incrível (aquele sofrido, melado de choro, gostoso, cheio de culpa, medo e tesão desenfreado), que depois dói mais que nunca. Vontade de que seja tudo diferente, desejo de que tudo se reverta. Vamos começar de novo? Onde foi que errei? Foi você? Onde erramos? Em que ponto do caminho, em que curva da estrada alguém tropeçou? Havia uma pedra? Eu vi uma pedra, vi mais até do que uma, mas deixei onde estava, não pensei que fosse obstáculo, nunca pensei que essa pedra um dia ia aparecer dentro do meu sapato.

Um tempo depois da separação tudo começou a clarear, as coisas começaram a aparecer, como bolhinhas de ar que sobem na água quando algo afunda. Nosso amor afundou e os motivos emergiram um após o outro até que a água acalmou novamente e transpareceu, ficou tudo claro e como um espelho refletindo o céu ora azul, ora nebuloso. Já não sinto nada. Já vejo o horizonte cheio de estrelas, de mar, de montanhas, de estradas a caminhar.

Esta é somente uma história entre as tantas que já foram e as algumas (espero que poucas) que ainda hão de vir.

O fim de uma relação amorosa é inevitável, mas o amor em si não tem fim. O amor segue impresso na alma. É um laço que nos une através dos tempos, das vidas, do espaço.

*Bárbara Eugênia, 33 anos, cantora, lança este mês É o que temos, seu segundo CD

Aos 20 anos

por Matheus Souza*

Um dia dormimos juntos na casa dela e, na manhã seguinte, acordei cedo pois tinha um ensaio. Antes de sair, chequei meus e-mails no computador. Engraçado, às vezes tenho a impressão de que, se eu simplesmente tivesse clicado em “sign out” naquele dia, estaríamos juntos até hoje.

No meio do ensaio recebo o seguinte SMS:

“Eu fiz uma parada que não devia, agora a gente precisa conversar. Me liga. É urgente”.

Eu nunca liguei. E ela me mandou uma sequência de mensagens de texto que também nunca tive coragem de responder.

Até hoje não sei o que ela viu nos e-mails, mas encontrei o celular da época e aproveito essa chance para, enfim, responder as mensagens.

“Por que você namora comigo? Pra quê?”

Vinte anos de idade e eu tinha encontrado a mulher perfeita. Você era a mais bonita das mais bonitas, gostava de ir ao cinema, tinha opinião, gosto musical idêntico ao meu, usava calcinhas fofas e era uma boa dupla no pingue-pongue.

“Meu Deus, que tipo de pessoa é você?”

O tipo que não estava acostumado àquele tipo de felicidade. É uma pressão encontrar a mulher que você sempre sonhou aos 20 anos. Eu era um menino que tava acostumado a jogar videogame sozinho, reclamando da vida para os amigos no Google Talk. Você é mais velha, tinha seu apartamento e um gato. Isso me assustava um pouco. Desculpe se você viu algo chato que tenha escrito sobre você. Não era verdade. Eu só precisava inventar defeitos em você para me sentir confortável.

“Eu nunca te pedi nada, só a sinceridade. O que era verdade? Como você consegue? Eu sou uma imbecil mesmo!”

O irônico é que na noite anterior tive um raro momento em que esqueci todas as minhas neuroses. Dormimos de conchinha e me senti acolhido. Como se, de alguma forma, aquilo que as comédias românticas mostrava fosse verdade. E eu era sim um daqueles sortudos que encontrava o amor da vida aos 20 anos e ponto-final.

“Eu tava gostando tanto de você.”

Eu também. Maldito Gmail.

*Matheus, 24 anos, cineasta, dirigiu Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida (2012) e Apenas o fim (2008), está em cartaz com a peça Stand Up, no Rio

Mudança

por Miá Mello*

Conheci ele na praia. Cabelo queimado de sol, pele bronzeada, barba estrategicamente desleixada. Amor à primeira vista, daqueles que o olhar demora a largar.

Me falaram que era nadador profissional. Tinha porte, pelo menos. Com uns óculos de natação sempre debaixo do braço, ele passou a ser minha companhia na viagem. Não cheguei a vê-lo em ação, mas seu peito depilado não o deixava mentir. Era do tipo atleta que não se importava em parecer ridículo se depilando. A necessidade falava mais alto.

Dizem que amor não sobe a serra, mas o nosso subiu. Dois meses depois resolveu que era hora de tornar a coisa mais séria. Deixaria a casa de seus pais para morar comigo.

Na caçamba de sua caminhonete, uma mochila de nylon, um rádio system e uma barra de flexão de porta.

Passamos a conviver e não posso mentir que ele tinha um comportamento estranho às vezes – e de nadador profissional se mostrou um belo tomador de sol de piscina.

Pior do que o término de um relacionamento é quando você percebe o começo do fim com o cara mudando para sua casa.

Terminei com ele na cozinha. Ele revirou meu lixo e achou uma nota fiscal de uma pizza grande. Achou que era impossível eu ter comido sozinha. Preferi simular uma traição a assumir o pecado da gula. Valia a pena.

No dia que acabou senti o peso de uma pizza sair de mim. Escapei de uma roubada sem nem ter que falar: “Sou eu, não é você”.

*Miá, 32 anos, atriz e humorista, acaba de gravar o longa Meu passado me condena  e está no programa  Cê faz o que?, no Multishow

Era outono no Rio

por Viviane Mosé*

Às oito ele tocou a campainha e eu não imaginava o desfecho. Tudo parecia normal, cheio de idas e vindas, como sempre, mas com final feliz. Já estávamos juntos havia quatro anos e eu conhecia os movimentos que, em algumas horas, o levavam e o traziam de volta. Mas aquele dia foi diferente, ele estava triste, com um olhar vazado, quase nulo, e, por mais que eu tentasse trazê-lo de volta daquele fundo onde parecia ter se escondido, eu não conseguia. Passamos a noite conversando, encerrando aquela história que nos parecia interminável. Tentei fazer com que se lembrasse dos nossos momentos, dos nossos pactos e sonhos, das nossas conquistas, da parceria, da cumplicidade, do desejo, mas nada, ele estava certo do que queria. Tão certo que sofria, visivelmente, com aquela situação. Você sofre porque me ama, eu dizia, porque não quer se afastar de mim. Ele ficava mudo porque sabia que não, ele sofria exatamente porque não me queria mais, mesmo com toda cumplicidade, parceria, sonhos, 
pactos, conquistas, desejo. Às cinco da manhã ele saiu, estávamos exaustos. Tomei um banho e fui para o aeroporto, meu voo era as nove, para Palmas, com escala em Brasília. Era um dia de outono, me vesti delicadamente, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto. Entrei no táxi, um vento frio tocava minha pele. Às vezes tirava os óculos escuros para secar aquele rio insistente brotando dos meus olhos. Tudo doía, o peito, os olhos, as mãos, o céu também doía e as ruas, as esquinas, as pessoas passando, tudo amargava em minha boca. Desci do táxi e, enquanto andava por aqueles corredores, me vi, por alguns segundos, com um andar tão lânguido, naquele casaco comprido, os cabelos encaracolados e cheios, muito leves ao vento, os óculos escuros, as lágrimas sob as lentes, a pequena valise, era tudo tão bonito, que me encantou. Continuei sofrendo, na sala de embarque, durante o voo, mas agora, além de sofrer, eu me via sofrendo. Via uma jovem mulher vivendo, tão digna em sua dor, tão firme em seus propósitos, que pude sentir alegria, alegria de viver, com todos os ganhos e perdas, com todos os conflitos e contradições que estar vivo implica. E continuei caminhando.

*Viviane, 49 anos, é psicanalista e filósofa. Realiza palestras e consultorias, é comentarista na Rádio CBN e sócia e diretora de conteúdo na empresa Usina Pensamento

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