Marina Magessi, inspetora da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Rio, compara o sofrimento amoroso com o de um drogado que procura ”os maravilhosos efeitos de uma primeira dose”
Atualmente, duas coisas fazem a inspetora de polícia Marina Magessi, 47, chefe de investigação da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Rio de Janeiro, chorar. Uma delas é quando para pra pensar na vida e se sente sozinha. “Fico mal pensando que não tenho namorado, que não tive filhos, geralmente isso acontece quando estou com TPM.” As outras vezes em que a inspetora chora são quando prende um traficante e dá de cara com um adolescente de menos de 18 anos, pouco informado e sem registro de nascimento. “É horrível. Não consigo sentir ódio por eles, apesar de saber que, embora sejam crianças, são criminosos terríveis.”
A mulher que chora no trabalho e por (falta de) amor é uma das policiais mais respeitadas e corajosas do Brasil. É chefe das investigações que prenderam traficantes como Marcinho VP, Uê e Elias Maluco (líderes do Comando Vermelho). A operação que resultou na morte do traficante Bem Te Vi também foi comandada por ela. Marina acha que o amor, literalmente, é uma droga. “Quando você sofre por amor está com falta da primeira dose, que é quando as coisas são boas, igual a um viciado em entorpecentes.”
A reportagem da Tpm entrevistou Marina uma semana depois de São Paulo entrar em chamas devido aos conflitos do PCC com a polícia. Não há nenhum esquema de proteção especial na sede do DRE, que fica bem embaixo do Morro do Macaco, em Vila Isabel, zona norte, um dos mais violentos do Rio. Marina acabou de voltar de viagem, passou na Igreja de Santa Rita, da qual é devota. Tudo sem segurança. Leia abaixo trechos da entrevista concedida primeiro em sua sala (com as paredes descascadas) e depois no corredor da delegacia, por onde presos passavam algemados. É que no meio da entrevista a luz da sala de Marina acabou. “É uma vergonha isso, não é?” Ela dizia, enquanto gritava: “Salsicha, porra, chama o eletricista, ferrou tudo aqui”.
Tpm. Você sofre preconceito por ser solteira?
Marina. Claro. Porque sou mulher. Quando um homem está solteiro, todo mundo acha que tudo bem, que ele está assim por opção, quer aproveitar a vida. Com a gente não. Acham que a gente está desesperada atrás de homem e não consegue, que a gente encalhou. Eles estão sozinhos por opção. A gente pela falta de.
E isso é um mito ridículo, não? É. A gente vai ficando mais velha e fica mais seletiva. E mais chatinha também. Quando a gente é jovem tem aquelas paixões repentinas, inclusive pelos cafajestes. Na verdade, quando a gente é nova, acha que quanto mais cafajeste melhor. Com o tempo vai ficando com o couro duro de tanto levar porrada. E relacionamento parece muito com o vício de drogas. Com o tempo a gente percebe isso.
Como assim? Eu trabalho com entorpecentes. E vejo que os viciados estão sempre buscando a primeira dose, que é a que realmente dá um barato incrível. As outras doses já não dão esse barato. Ele nunca mais consegue sentir aquilo. Com a paixão é a mesma coisa. A gente, no início, se apaixona e vive uma coisa maravilhosa, depois que acaba, o bagulho está meio ruim, mas você fica ali buscando aquele prazer que não vai conseguir mais. Acho que quando você sofre por amor não está sofrendo pela falta daqueles momentos finais, mas pela falta daquela primeira dose.
Você já foi casada? Por 13 anos. Depois namorei por seis anos. Sempre tive relacionamentos longos. Estou solteira há seis anos. E gostar de ficar sozinha não é uma coisa que acontece de uma hora para a outra. E é bastante dolorido. A gente sempre acha que a culpa está na gente, fica perguntando onde foi que errou.
“Quando você sofre por amor está com falta da primeira dose, que é quando as coisas são boas, igual a um viciado em entorpecentes”
Marina Magessi, chefe da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Rio
Você é solteira por opção? Acho que ninguém acaba com um relacionamento que estava bom. A gente está sozinha porque não tem aquilo que queria, o que não quer dizer que a gente vá se satisfazer com qualquer coisa.
Inclusive porque não precisamos estar com alguém, não é? Claro! A palavra é precisar mesmo. Tem vezes que sofro muito por solidão. Geralmente quando estou com TPM. Começo a entrar naquela: “Ai, eu não tive filhos, não vou mais poder ter. Queria tanto chegar em casa e ter um marido maneiro...”. Queria tanto ter o Márcio Garcia. Porque se é pra sonhar eu não quero qualquer um, né [risos]?Quero o Márcio Garcia, que eu acho lindo. Aí me pego com saudades de relacionamentos passados, daquela primeira dose.
E quando a gente sofre esquece a parte ruim, não é? Claro. Por isso que é muito parecido com o consumo de drogas [risos]. Mas chega uma hora em que você vê que a sua vida é muito boa. Que você está sozinha, mas tem um monte de coisa bacana.
Ser policial assusta os homens? Acho que não. Sinto que tem uns que querem ficar comigo para tirar onda, para me absorver. Ficam naquela: “Ah, vou pegar a Marina Magessi, caralho”. Não sei se fazem isso para se sentir machos. Não tenho o menor saco para isso.
Você está com medo por causa das ações do PCC contra policiais em São Paulo? Não tenho nenhum medo. Sei pelas minhas escutas o que está acontecendo. Semana passada, quando houve os confrontos do PCC, eu sabia que não teria nada aqui. O Comando Vermelho nunca vai virar massa de manobra do Marcola. E tem outra, o CV está fodido. E por causa do combate da polícia. Digo isso e assino embaixo. Os principais chefes foram presos ou mortos pela gente. Pegamos o Marcinho VP, o Elias Maluco, o Uê. O Bem Te Vi foi morto. E também não tenho medo desses 400 presos que estão aqui em cima de mim (aponta para o segundo andar da delegacia). A minha frustração com o trabalho é outra. Fico triste quando prendemos alguém. São crianças sem nada, sem registro. Eu não consigo ficar com raiva deles. Mas ao mesmo tempo sei que eles são tão assassinos quanto os outros.
Você sente falta de ter alguém quando chega em casa depois de um dia de trabalho difícil? Sinto mais falta quando as coisas dão certo, quando acabamos alguma operação com sucesso. Geralmente é de madrugada. Sinto falta de chegar em casa e ter alguém para comemorar comigo.
Você lida com a miséria, o tráfico e também corre riscos. Já teve algum efeito colateral? Olha, acho que eu não conseguiria, por exemplo, trabalhar na delegacia de homicídios. Lidar com isso o dia todo é muito difícil. Mas muitos dos meus policiais já sofreram de síndrome do pânico, inclusive eu. Graças a Deus, não tenho faz oito anos. Mas “paniquei” pesado, e isso fazendo análise há séculos. “Paniquei” de ter que ficar morando na casa da minha avó. Mas tenho minhas válvulas de escape. Sou muito religiosa. E faço análise há 20 anos. Sem essas coisas não aguentaria, porque é muita porrada mesmo.
Você é maternal com os traficantes que param na delegacia? Acho que nos comovemos antes dos homens, mas depois eles se comovem também. E o meu jeito feminino contamina toda a delegacia, eu acho. Outro dia dois meninos vieram parar aqui com tiros nas mãos. Eles não podiam voltar para o morro, pois seriam mortos. Um policial que trabalha comigo descobriu que eles tinham família no litoral carioca, foi até o shopping, comprou roupa para eles e levou os dois até a rodoviária. Ver homens que trabalham comigo fazer uma coisa dessas me comove.
Créditos
Alaor Filho/AE