Babá, confidente, rezadeira. Era hora de ela, que dormira comigo até meus 10 anos, entrar no sono profundo. Nunca senti nada parecido
Adorava fazer bolos, cookies e era rápida e criativa na cozinha. Aos poucos minha mãe foi passando para ela seus conhecimentos de banqueteira. A Norma foi assumindo também o controle da gastronomia da casa. Criava muitas receitas novas.
Toda manhã eu ia andar na praia com ela. Vestia-me de calcinha e chapéu combinando. Quando íamos à piscina, ela ficava com medo porque eu simplesmente pulava dentro d’água. Gostava de fugir e ficar escondida vendo ela me procurar.
Mudamos para um apartamento em Santo André. Toda manhã eu, o Beto e a Norma íamos andando pela rua para brincar na casa da minha avó Albertina.
Lá tinha duas tartarugas, jardim e era uma casa antiga bem no centro da cidade. Quando mudamos para uma casa, a Norma se tornou governanta, tomando conta de todo o funcionamento dela. Sempre foi minha confidente. Dormiu no meu quarto até que fiz 10 anos.
Viajou com a gente por todo o mundo. Adorava perfumes, cremes e xampus. Criava suas próprias roupas e mandava confeccioná-las.
Quando comecei a dirigir, enfiava a Norma no carro e falava: “Vamos dar um rolê?”. Ficávamos rodando e trocando idéias.
Dentro da sua simplicidade, ela sempre foi muito sábia. Dominava a linguagem do amor. Era extremamente religiosa. Tinha todos os tipos de santinhos. Chegou a mandar fazer uma santa que foi protagonista de vários sonhos dela. Não tinha nome, era a Santa dos Sonhos. Portanto, além de babá, quituteira de mão-cheia e governanta, era também a rezadeira oficial da família, cuidando da espiritualidade de todos nós. Até para os cachorros ela rezava e cuidava deles como filhos.
Ela era tão fervorosa, que se concentrava para ver coisas. Quando eu tinha que tomar decisões importantes pedia para que me desse direcionamento. Sempre respeitei!
Ausência e presença
Quando sofri o acidente que me deixou tetraplégica, sem saber de nada ela não dormiu, pois a nossa cadela Vivi latiu a noite toda. Culpou-se por não estar do meu lado naquele momento. Talvez tenha sido a mesma culpa que eu senti quando ela foi para o hospital com falta de ar, e eu não pude acompanhar. Não foi prontamente atendida e entrou em choque. Acabou na UTI com pneumonia, entubada e sedada. Todas as noites eu saía do trabalho correndo para vê-la mesmo depois do horário autorizado de visitação. Sentia um misto de dor profunda e esperança de que sairia ilesa daquela situação. Um medo de jamais ser feliz e que piorava por não tê-la por perto.
Morou na casa dos meus pais até o fim.
Tentava barganhar a sua volta dizendo que nem usara os xampus novos que eu lhe dera, que os cachorros choravam a noite toda pela falta dela e ninguém conseguia comer outra comida que não fosse a dela.
Ficava observando o aparelho respirar por ela, o corpo inchado, um sono profundo e as sobrancelhas perfeitas. Aquele era o meu momento secreto de ter mais um pouco dela.
Eu nunca senti nada parecido.
E ela se foi...