A hora certa de ser promovida, o momento exato de se casar? Cada um tem o seu tempo
A hora certa de ser promovida, o momento exato de se casar, o timing perfeito para comprar seu primeiro apartamento. A reportagem "Fora do ritmo", investiga essa mania que os outros têm de querer determinar em que tempo as coisas deveriam acontecer na sua vida. Como se a existência fosse um previsível metrô inglês, com horários cronometrados para cada estação, e não um trem desgovernado que a gente tenta controlar.
Estou no meio de uma experiência, digamos, extemporânea. Decidi, com apenas 21 anos de atraso, tirar carteira de motorista. Quer dizer, atraso? Por que atraso? Olha a patrulha. Se bem que, admito, há pelo menos uma razão natural, biológica e incontornável para fazer isso no fim da adolescência: só aos 18 anos de idade você tem a paciência necessária para encarar a burocracia dos Detrans e conseguir sua "habilitação tipo B", como dizem os formulários.
Talvez o problema seja eu (quase sempre é), mas o processo todo parece incrivelmente complicado. Se é tão difícil conseguir licença para guiar, imagino que deve ser praticamente impossível, coisa de gênio mesmo, obter um brevê de piloto ou mesmo um arrais amador. Antes de mais nada, é preciso ir a uma autoescola, uma espécie de cartório automobilístico. Todas cobram mais ou menos o mesmo preço e oferecem mais ou menos o mesmo serviço meia-boca. Depois, é hora de fazer o seu pré-cadastro no Detran. Pois é, não me pergunta por que não fazer logo o cadastro. Enfim.
Aliás, melhor não perguntar nada, até porque a fila de informações é maior do que qualquer outra - e olha que não tem fila pequena. Se tudo der certo, ou seja, se você não estiver no lugar errado, vai chegar a uma mesinha, em que ganha seu primeiro carimbo, uma senha e a indicação para seguir adiante (apenas um gesto de cabeça, não tem por que desperdiçar palavras). Numa sala com umas 130 carteiras escolares, um funcionário me indica em qual delas especificamente eu deveria me sentar, embora houvesse ao menos 40 disponíveis.
Minha senha era 810. Quando me aboletei na cadeira indicada, estavam chamando a 729. A cada número, uma campainha tocava duas vezes: tã-taaan. Um garoto sentado à minha frente usava uma camisa de uma banda chamada Blind Guardian (Detran é cultura), com a letra de uma canção estampada às costas: "This will never end". Premonitório. Mesmo assim, 81 toques depois (ou 162, se a gente considerar que são toques duplos), chega minha vez. Ganho mais dois carimbos e outra ordem, dessa vez para me apresentar ao guichê 24.
Lá, tiram as digitais dos dez dedos e outra foto minha. Sim, já havia trazido duas fotos, como exige a "lista de documentos necessários", mas parece que eles colecionam retratos 3x4 por lá. Bom, o pré-cadastro está feito. Agora só faltam o cadastro propriamente dito, o exame médico e psicológico, as nove aulas teóricas com três horas de duração cada, a prova teórica, as 16 aulas práticas de direção diurna, as quatro noturnas e a prova prática. Com mais 21 anos, estourando, chego lá. Tudo bem, cada um tem seu tempo.