Praticando a capacidade de me adaptar, vejo o mundo se adaptar à minha condição também
Eu dou risada de mim mesma com as resoluções que dou ao cotidiano. A leveza de ir me transmutando a cada compromisso consta no meu íntimo como minha maior vitória. Não direi mais que não sei administrar o tempo. Agora eu já sei.
Quando tenho agenda de estilos muito diferentes, como visita ao Capão Redondo, cerimônia na Câmara Municipal, jantar de gala e show de rock’n’roll, saio cedo com um vestidinho preto básico e vou mudando os colares no decorrer do período. Começo com um modelo desencanado, de preferência orgânico e confeccionado por artesãos, um alternativo de prata para a cerimônia, uma joia de ouro para o jantar de gala, fechando com uma tira de pano preto improvisada no pescoço. Quando está frio, sigo a mesma linha de ação, porém com lenços e echarpes.
Outro dia um jornalista escreveu, num jornal de grande circulação, que eu estava disputando uma Secretaria de Estado aqui em São Paulo. Como deputada federal eleita, terei de cumprir compromissos em Brasília e, por ser tetraplégica, ele disse que eu não tinha condição de ir e voltar pra lá. Será que ele achou que quando eu me candidatei eu não sabia que o plenário da Câmara Federal e os gabinetes dos deputados ficavam no Distrito Federal?
O avião e os atrasos em aeroportos, as assistentes, a cadeira de rodas e o táxi são simples ferramentas de realização. Ser carregada no avião segue a mesma diretriz. Planejo prazeres na vida a partir de como ela vem pra mim, o principal é conseguir realizar. É óbvio que ir andando vai mais rápido, mas o que importa nesse momento é a qualidade do pensamento e da emoção que carrego!
Depois da última coluna na Tpm, em que relatei minha primeira ida a Brasília como deputada federal eleita, viagem com percalços a toda hora, eu fui de novo pra lá. Desta vez para verificar o plenário da câmera federal e torná-lo acessível.
Novas possibilidades
Para discursar na tribuna, como os outros deputados, ou compor a mesa diretora, terei de subir uns seis degraus para o púlpito, e mais uns quatro para a mesa. Estavam lá o diretor da casa, a comissão de acessibilidade com arquitetos e assessores, o Leandro, meu amigo de Brasília, que também é arquiteto, a Gil, a Claudia e eu. Alguns que convivem com o assunto acessibilidade pareceram animados. Outros, ameaçados e enciumados. Outros, desafiados. Havia ainda os confusos com a intervenção na obra do Niemeyer, e os preocupados com a segurança do presidente da mesa em relação aos outros deputados.
Entregarei dois projetos de arquitetos diferentes especializados em desenho universal para que aumentem as possibilidades de soluções.
Na volta, um temporal sobre São Paulo fez com que tivéssemos de sobrevoar Araraquara durante uma hora e pousar em Ribeirão Preto. Fecharam Congonhas, Guarulhos e Viracopos, e só conseguimos chegar em casa às três da manhã. Isso pode demorar para melhorar, mas, se todos os aeroportos e companhias aéreas adquirirem ambulifts (equipamento que desce cadeirante sem passar pela escada do avião) e nunca pararem em posição remota (fora do finguer) na presença de um passageiro com mobilidade reduzida, já vai melhorar muito.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga, vereadora por São Paulo e foi eleita deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br