O embate entre discurso e realidade na relação das mulheres com seus corpos
Nunca se falou tanto sobre empoderamento feminino, autoestima e aceitação, mas é só lançar uma enquete investigando a relação das mulheres com o próprio corpo para a realidade vir à tona de um jeito muito menos evoluído. Mais de 70% das mulheres que responderam às perguntas no Instagram da Tpm sentem que o corpo delas não está pronto para o verão. E mais: 67% da nossa audiência se sente desconfortável de biquíni e 85% tem vergonha do próprio corpo.
Por que nosso discurso continua tão distante do que sentimos? Será que estamos no caminho certo? Parceira da Natura, a antropóloga Paula Pinto e Silva, que conduziu um importante estudo sobre a relação da mulher com o corpo, enxerga alguns avanços, mas ressalta: o corpo precisa parar de ser apenas pensado para ser vivido.
O que seria um corpo pronto para o verão?
Deveria ser todo e qualquer corpo com um biquíni/maiô para vestir e um convite para curtir a praia ou a piscina [risos], mas no Brasil insistimos em colocar a coisa de outra maneira. Somos levadas a acreditar que é impossível ser feliz e se sentir bem nessa estação sem uma barriga durinha. É chegar novembro e já começa a contagem regressiva impondo que a gente entre nos padrões.
Por outro lado, nunca se discutiu tanto autoestima e diversidade. Acha que as mulheres estão se aceitando mais?
A discussão sobre o corpo mudou de lugar e hoje está muito atrelada a um discurso político de empoderamento feminino e luta pela liberdade. As mulheres não querem mais lidar com padrões e imposições machistas e estão explorando outras possibilidades, mas isso não quer dizer que já estejam se aceitando mais. Nesse sentido, o corpo segue sendo muito mais pensado do que vivido. Existe um longo caminho de descobertas a ser percorrido.
Que caminho é esse?
Antes de tudo, precisamos entender que certo nível de insatisfação faz parte da condição humana e é até saudável, pois nos estimula a melhorar. Aceitar o próprio corpo não é amar absolutamente tudo sobre ele, mas não sentir vergonha, nem deixar de aceitar um convite à praia por não estar dentro dos padrões. É também perceber que nosso corpo faz parte de nós, não é algo deslocado, que podemos separar, moldar ou fatiar. Quanto mais as mulheres se conhecem, mais conseguem ter esse entendimento, que é fundamental para a autoaceitação.
É mais fácil ver beleza no outro ou gostar da nossa própria imagem no espelho?
O olhar do outro quase sempre nos enxerga de forma mais generosa do que somos capazes de nos enxergar, principalmente quando o desafio é gostar daquilo que está fora dos padrões. Um exemplo clássico é amar o cabelo crespo da amiga, mas alisar o seu. Precisamos exercitar essa capacidade de tirar o que é estranho da gaveta de coisas negativas quando olhamos para nós mesmas.
Como as marcas e a mídia podem ajudar a promover a diversidade e contribuir para que mais mulheres se sintam bem com seus corpos?
A modelo da campanha e a mocinha da novela perpetuam padrões. Se uma mulher olha para elas e não se enxerga de jeito nenhum, começa a se sentir sozinha e inadequada, ainda que todas as suas amigas e vizinhas não se enxerguem também. É fundamental ocupar esses espaços com diversidade para alargar um pouco esses padrões, que – de tão estreitos – acabam deixando quase todo mundo de fora.
Créditos
Imagem principal: Helen Salomão