Conversamos com mulheres que resolveram encarar o espelho de frente e endossaram o movimento da autoaceitação
Quem ainda acredita que as tais dietas detox, que prometem secar três quilos em uma semana, funcionem a longo prazo? Os resultados milagrosos, no fundo, servem para saciar um desejo que está cada vez mais distante da vontade real das mulheres de encaixar-se em um padrão. Já não se trata mais só de se aceitar, mas sim de olhar para dentro e fazer esse detox no olhar com um novo jeito de se ver no espelho e na vida. Conversamos com as mulheres a seguir e as convidamos para fazer um exercício: voltar no tempo e relembrar como era a relação delas com o corpo e como é hoje. Vem com a gente conhecer histórias de transformação de dentro para fora.
BRUNA ERHARDT, 30 anos
A catarinense começou a trabalhar como modelo aos 14 anos e desde então sofria com o efeito sanfona. Aos 28, resolveu abandonar as passarelas e assumir suas curvas
“Durante quase minha vida inteira eu tive que lutar contra o meu biótipo. Não me sentia confortável no meu próprio corpo porque eu nunca estava magra o suficiente para o mercado; sempre tinha que emagrecer mais e mais. Resumindo, eu não gostava do que eu via no espelho. Até que um dia eu decidi parar com a carreira de modelo. Desencanei mesmo, e deixei o meu corpo ser o que era. Passei a aceitar minhas vontades: se queria comer alguma coisa, comia. No começo, me ver com outro corpo foi estranho. Era uma dimensão nova para mim, e ver minhas curvas foi um choque.
Mas tudo isso foi uma quebra de vários paradigmas, de buscar representatividade nas mídias que eu consumia, de buscar pessoas reais e entender que estava tudo bem. Eu passei a aceitar que tenho coxa grossa, bumbum. Que meu braço não é tão fino quanto eu desejaria naquela época, e ok. A partir do momento em que comecei a olhar para dentro, a contestar os medos e as ansiedades, as coisas foram se encaixando. Parece que o meu corpo foi entrando no eixo. Eu comecei a me olhar no espelho e ver que as minhas formas são lindas do jeito que são. Quando parei de me comparar com o entorno e comecei a olhar para dentro, eu me aceitei. E quanto mais o tempo passa, mais aceito a estrutura do meu corpo. Agora que ele está tomando a forma dele e eu tenho me amado mais assim. Hoje me acho uma mulher bonita do jeito que eu sou.”
TÁSSIA REIS, 29 anos
A cantora paulista sofreu desde a infância com o preconceito. Na adolescência, teve problemas com a balança. Hoje, questiona o “padrão excludente”
“A escola pode ser um ambiente muito racista. Você se vê excluída porque é negra, nunca é o parzinho e vira chacota. Tudo isso é muito doloroso na construção de identidade de uma jovem negra. Ainda assim, eu tive o suporte na minha casa, meus pais sempre falaram sobre beleza negra, me colocavam em um lugar de exaltação. Mas isso não te prepara para o mundo lá fora. É um choque quando as pessoas falam que você é feia, sendo que em casa meu pai falava que eu era a princesinha dele. Eu não me achava feia, mas quando as pessoas me chamavam de feia eu ficava triste, porque ninguém quer se sentir excluída. Já adolescente, comecei a me achar gorda. Aos 22, perdi muito peso, mas não conseguia enxergar isso. Só fui ter noção do quanto era magra há pouco tempo e, hoje, sou um pouco mais cheinha.
O padrão é tão excludente que, ainda que você esteja próximo dele, não consegue enxergar. Esse lance de como você se vê faz toda a diferença. Às vezes dá uma crise, não vou mentir. A todo momento a mídia fala do seu corpo. Quando você emagrece um quilo, alguém diz ‘Você está tão linda, você emagreceu’, como se isso fosse algo positivo. Ainda que você se sinta bem no corpo que habita, sempre tem alguém para te lembrar que isso não é o padrão. É uma batalha diária para estar bem com você mesma. Hoje, estou resgatando o exercício na minha vida, para me sentir melhor fisiologicamente, não esteticamente.
Quando a gente pensa no ‘normal’, ele não é esse corpo, apesar de a maioria das pessoas terem um corpo normal como o meu. Mas a sociedade coloca o normal como alto padrão, um corpo de modelo malhada. A gente perde muito tempo tentando alcançar padrões. Acho que tentar entender melhor quem a gente é faz mais sentido na nossa construção diária. No fim, vale a pena a gente se sentir bem sendo quem somos, perdoando nossas possíveis limitações e nos amando.”
ALEXANDRA GURGEL, 30 anos
Autora do livro Pare de se odiar (ed. Best Seller) e dona do perfil @alexandrismos, a carioca chegou a tentar o suicídio por não aceitar seu corpo. Hoje, está na fase mais completa de sua vida
“Comecei a fazer dieta aos nove anos. Não existia vida sem regime, sem privação. Na escola, os meninos nunca olhavam para mim; me tratavam como se eu fosse um deles e, isso, claro, refletia na minha autoestima. Eu era super aberta e engraçada, mas, por dentro, triste. Achava meu corpo uma aberração. Aos 14, caí em blogs sobre anorexia e bulimia, e entrei na onda. Queria ser muito magra, bem diferente do meu biotipo, e valia qualquer coisa.
Quando estava com 23 anos, com todo esse histórico depressivo, fiz uma lipoaspiração e coloquei silicone. Tiraram nove quilos de mim. Cheguei em casa e, ao me olhar no espelho, não me reconheci. Minha imagem havia mudado totalmente do dia para a noite e eu não sabia o que fazer. Pouco tempo depois, decidi criar um canal no YouTube. Foi na época em que conheci a palavra ‘gordofobia’ e ali tudo fez sentido. Era o que eu vivia. Na internet, passei a me identificar com outras pessoas e comecei a ver meu corpo de outra forma. Ele é prazer, é movimento, é o que me leva daqui até ali. Há dias em que acho meu corpo lindo e, em outros, péssimo. Mas esse processo de aceitação levou um tempo. Fui amadurecendo aos poucos e, hoje, tenho muito menos certezas. Tanto é que, no ano passado mesmo, aos 29 anos, me descobri homossexual. Parece que esse lance da sexualidade foi o pontapé para que eu me entendesse mais. Hoje estou na fase em que sinto mais completa na minha vida.”
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