Não é assim que deve ser

por Antonia Pellegrino
Tpm #93

Antonia Pellegrino desfrutou da liberdade na China. Mas o animal-símbolo do país não

Quando pequena, lembro-me de viajar para a fazenda de uma amiga onde havia um zoológico particular. Com babuínos, leão e rinoceronte. E uma elefanta chamada Rosa, que, anos depois, pisou em uma garrafa lançada por um caseiro bêbado e faleceu de infecção. Lembro-me do dia em que comíamos próximo ao grupo de macacos e tomamos uma carreira dos animais – queriam nos roubar o lanche. Lembro bem do meu fascínio ao imaginar que observava a vida selvagem, e até participava dela.

Esse fascínio exerce seu poder sobre boa parte da humanidade, desde antes de Cristo. No entanto, depois de crescidinha, nunca mais estive em zoológicos. Até recentemente, quando, em viagem pela China, fui ao oceanário de Xangai e ao Wolong Nature Preserve, em Chengdu, onde vivem pandas-gigantes. Ambas as experiências foram extremamente desagradáveis.

Embora para uma mergulhadora ver peixes em exposicão seja como chupar bala com papel, é sempre interessante observar tanta diversidade de vida marinha. Peixes são seres incríveis, mas possuidores de menos vida “inteligente” que os mamíferos. Vê-los confinados não afeta tanto a sensibilidade. Porém, ao entrar na sala dos pinguins, senti imediata angústia. O espaço até era grande, mas reduzido se comparado ao habitat deles: o oceano. Havia uns dez animais fazendo o mesmo movimento: nadando em círculos, roçando no vidro. Como se sabe, o pinguim tem uma relação de eterna fidelidade a seu parceiro, com quem se encontra todo ano em um mesmo lugar para procriar. Essa é a sua motivação básica, seu drive, seu instinto. Retirar esse impulso do campo existencial do pinguim é torná-lo um morto em vida.

Três semanas depois enfrentei um trânsito de cidade superpopulosa para ver os pandas. Quando finalmente cheguei ao parque – agradável e repleto de bambus –, avistei uma fêmea de 8 anos e 190 quilos presa em um saleta úmida e escura. Chineses lotavam o local, gritando histéricos para o animal, que enfiava a cara numa janela fechada, batendo com a cabeça e dando as costas ao público.

A despeito da tristeza que me tomou, segui o passeio. E não encontrei os outros pandas em melhores condições. Todos, inclusive a fêmea, dividem ilhas de 250 metros quadrados com outro animal. As ilhas representam seu habitat com pedras fakes e balancinhos. São cercadas por uma massa de chineses se acotovelando para fotografá-los frontalmente – de perfil era possível apreciá-los melhor. Tive vontade de me irmanar aos pandas na observação daquele patético zoológico humano.

Menos, por favor
A despeito do importante trabalho de preservação realizado pela instituição, não há felicidade possível num zoológico. Animais como pandas vivem sozinhos – pense no sofrimento de estarem cercados por humanos! O zoológico apresenta uma falsa ideia de observação da vida selvagem. Em verdade, o que se vê são animais limitados em seu instinto, privados de seu destino, de seus hábitos e habitat, de sua vida.

Anos atrás estive na África do Sul. A maior atração era observar os animais soltos na savana. A coisa se dava num voo de balão ou em um passeio de jipe pelas estradas do parque. Em ambas as situações, lidávamos com o imponderável. Podíamos ver muitas zebras, girafas e gazelas, ou nenhuma. No entanto, quando avistávamos os animais, dava-se um alegre encontro entre criaturas livres. E assim deve ser.

* Antonia Pellegrino, 30 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br

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