por Mara Gabrilli
Tpm #102

O ser humano se acomoda na forma de reclamar, sem nada mudar. Será resistência à mudança?

 

Promovi um evento sobre saúde e reabilitação na Câmara Municipal. Vieram autoridades e profissionais que falaram do assunto para um público numeroso, repleto de pessoas com todo tipo de deficiência. Falamos sobre saúde auditiva, curso de mobilidade e tratamento para diferentes causas da deficiência visual, reabilitação física, pesquisa, equipamentos para doenças neuromusculares e envelhecimento de pessoas com deficiência intelectual. Esses assuntos podem não dizer nada para quem lê, mas dizem respeito a 30 milhões de brasileiros que, somados aos familiares, chegam a 90 milhões de pessoas que se interessam pelo tema. Esse número é uma das razões para eu querer levar meu trabalho para o Brasil como deputada federal.

 

Organizar um evento assim é disponibilizar informação de serviços que já existem.

Pude ouvir e aprender, redirecionando o meu trabalho para um caminho atual e lapidado por críticas e reflexões. Em determinado momento, uma pessoa me pegou no intervalo do cafezinho para reclamar que um tal serviço ali mostrado era bacana só na apresentação, pois, na real, não era nada daquilo. Dirigiu-me a palavra de uma forma irônica, questionando o evento e outorgando a mim a responsabilidade de sua má experiência com o assunto. Pedi para que ela fosse lá reclamar, pois o evento estava sendo feito para isso. Tudo bem que, no meu caso, como sou vereadora, essa reação específica e curiosa do ser humano está sempre presente por onde eu e o meu trabalho passamos. Trata-se desse jeito de falar mal, sem provocar o real movimento para que haja uma melhora. Uma postura cristalizada, eu diria, acomodada na própria forma de reclamar, sem nada mudar. O quanto disso fazemos por aí? Agora, estou me referindo a uma forma que temos de manter a mesmice, mesmo que esteja ruim. Damos o problema para quem não é protagonista dele. Será uma resistência intrínseca que temos à mudança?

Conquista

De qualquer forma, agendei para a moça ir reclamar no meu gabinete, repaginando a inação dela. O ser humano muitas vezes é tão carente que precisa simplesmente ser ouvido. Obrigada, você que, lendo minhas vicissitudes, também acolhe um pouco das minhas carências.

Aprendi muito nas falas sobre envelhecimento daqueles que têm deficiência intelectual. Uma das maiores preocupações com esse público é o dia que faltar a família dedicada aos cuidados com eles. Ainda não temos espaços suficientes e direcionados a essa demanda. Mas, hoje, algo muito transformador vem acontecendo. Pessoas com deficiência intelectual estão cuidando de seus familiares que ficaram velhinhos. Isso é uma grande conquista que deixa a espécie humana dignificada.

Eu também tenho lá meus medinhos, já que, por não me mexer, preciso de cuidados todo o tempo. E se um dia eu não tiver mais isso? Como contar com meus pais, que daqui a pouco terão 80 anos?

Por isso, não posso parar de viver e produzir!

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e acabou de ser eleita deputada federal pelo PSDB. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br

 

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