”Quando 50 jovens são assassinados simplesmente porque ousaram amar pessoas do mesmo sexo, o apodrecimento de nossa sociedade exala um cheiro forte”
A história da minha homossexualidade é a história das mulheres que amei. Desde os 16 anos, amei muitas e a todas elas entreguei o que, na época, havia de melhor em mim. Que meu amor seja considerado errado, equivocado, pecaminoso, proibido etc etc etc é um conceito tão absurdamente bizarro e cruel que é apenas natural que, num futuro, havendo um futuro, a homofobia seja vista como hoje vemos os romanos que aplaudiam cristãos sendo devorados por leões.
Quando 50 jovens são assassinados simplesmente porque ousaram amar pessoas do mesmo sexo, e sair num sábado à noite para celebrar esse amor, o apodrecimento de nossa sociedade exala um cheiro forte, e ficamos com a sensação de que a raça humana está em estado terminal.
Não sei quem eram os rapazes e as moças que foram covardemente assassinados em uma boate de Orlando no dia 11 de junho, mas sei que eu era um deles. Eu, que amo pessoas do mesmo sexo, que não consigo entender como amar pode ser errado, que só me entendo como ser humano se puder me entregar à alma e ao corpo de outra mulher, que seria apenas um verme se me privasse de amar quem nasci para amar.
Cada um daqueles 50 jovens era um desses seres humanos que teve a coragem de se tornar quem nasceu para ser. Jovens cuja versão adulta poderia fazer alguma diferença nesse mundo que às vezes pode ser tão cruel e desumano. Mas eles não estão mais aqui. E com eles um pedaço de todos nós foi embora. Enquanto nos percebermos separados uns dos outros, e da natureza, não nos importaremos em sermos dominados, controlados, observados, dizimados, mutilados, podados. “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”, escreveu o indiano Jiddu Krishnamurti. De fato não é.
Há muitos anos sinto orgulho de ser gay e de não me ajustar a essa sociedade adoentada. Mas em dias como o 11 de junho de 2016 meu orgulho se intensifica. O assassino da boate em Orlando sofria de um tipo profundo de homofobia, e homofobia é uma doença que mata. É de fato perturbador ver dois homens, ou duas mulheres, se beijando ou se acariciando: para aqueles que só sabem odiar o amor pode ser perturbador.
E uma sociedade assim adoentada é incapaz de enxergar a verdade.
O mitólogo Joseph Campbell, analisando a vida de Jesus, concluiu que quando ele disse “ame o próximo como a ti mesmo” o significado era “ame o próximo porque é tu mesmo”. O filósofo Arthur Schopenhauer, ao tentar entender como um ser humano poderia se esquecer de sua auto-proteção lançando-se em socorro a um outro e abrindo mão da auto-preservação que é tida como a primeira lei da natureza, conclui que se trata de um impulso metafísico mais profundo do que a experiência de se sentir separado. É quando você compreende que você e o outro são um, e que a experiência sa separatibilidade é apenas a função da forma como nos experimentamos no campo do tempo e do espaço.
Schopenhauer toca em um ponto comum a muitos mitos: a vida é dor, e apenas a compaixão pode nos fazer seguir. E compaixão significa “sofrer com”, que é o que sinto em relação a todos os que ficaram por aqui e hoje choram por cada um dos 50 jovens assassinados por um lunático em Orlando. Perder alguém que se ama de forma violenta e precoce é uma ferida que um dia para de doer, mas nunca cicatriza e que, dependendo do dia, volta a sangrar.
Mas talvez Einstein tenha explorado a questão melhor do que qualquer outro quando escreveu:
“Um ser humano é parte de um todo que chamamos de universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experimenta a si mesmo, seus pensamentos e sentimentos como alguma coisa separada do resto, uma espécie de ilusão de ótica de sua consciência. Essa ilusão é uma forma de prisão, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e à afeição por umas poucas pessoas próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos libertar dessa prisão, alargando nosso círculo de compaixão para envolver todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza”.
Que a morte de 50 jovens que ousaram amar outros como eles não tenha sido em vão; e que o amor prevaleça e nos eleve a um lugar de mais significado e menos sofrimento.