Maria Ribeiro fala sobre como pode ser dura a vida de uma criança de 10 anos
Ter 10 anos pode ser bem duro. Além da humildade adquirida nas quadras de esporte, guardo na memória a suave ausência de intimidade que havia entre mim e meus pais, o que só fui perceber anos depois.
Sempre fui péssima em educação física, boa de pretérito imperfeito e preocupada com o infinito. Sensível, portanto, diria alguém. Na infância, essa classificação me parecia restritiva e pejorativa. Por que é que não dava pra jogar queimado e gostar de poesia? Não dava. Não pra mim, que sentia o coração disparar cada vez que uma bola vinha em minha direção.
Na primeira escola onde estudei, meu lugar no mundo foi o português. Eu era boa, e me sentia absolutamente feliz por descobrir um meio de dar nome aos apertos do meu peito. Fernando Pessoa melhorou muito minhas tardes no São Patrício. E aprender a escrever foi como parir. Inesquecível. Até hoje sou encantada com papelaria. Lápis, canetas e cadernos nunca saíram da minha vida. E poderia estudar para sempre.
Mas que fique claro: eu não tenho nostalgia alguma da minha infância. Ter 10 anos pode ser bem duro. Além da humildade adquirida nas quadras de esporte dos colégios, guardo firme na memória a suave ausência de intimidade que havia entre mim e meus pais, o que só fui perceber anos depois.
Não há aí nenhum lamento. Meu passado é como um filme querido que muda a cada vez que o vejo, e tenho evoluído essa trama. Sartre (outro que ajuda à beça) diz que levamos a vida que queremos levar. Pois eu decidi estar perto de quem amo assim que descobri que isso existia, lá pelos 25. Sem medo ou rede de segurança. De cabeça e sem saber onde vai dar.
Porque ainda questiono tudo. E não sei se consigo crer num “sentido da vida”, mas acordo com vontade
de jogar. Escrevo na agenda o que deve ser feito e tento cumprir. Pagar o gás. Marcar dentista. Chamar o bombeiro. Comprar laranja-lima. Renovar a carta de habilitação. E ainda ver filmes e peças, ouvir aquela cantora nova que dizem ser incrível, ler pelo menos um livro por mês, fazer ginástica, terapia e cuidar dos meus. Ação e filosofia. Queimado e infinito juntos.
Ao meu redor
Não que a bola tenha deixado de me assustar. Tenho medo de morrer, de ficar doente, de não ser amada e me sinto incapaz de lidar com o imposto de renda. Mas agora, quando eu olho pro lado, tenho um time ponta firme pra me apoiar.
Tanto que refaço a minha juventude desde as primeiras lembranças e cada vez mais acho tudo bonito, meus pais mais filhos de Deus e eu, uma verdadeira afortunada pelo destino. Porque na minha casa, todos os dias, duas
crianças crescem diante dos meus olhos, avançando suas infâncias sobre a minha e cobrindo tudo de paz, perdão e aceitação.
Maria Ribeiro, 35, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e em Tropa de Elite 2, em 2010.
Seu e-mail: ribeirom@globo.com
