Por que papéis do tempo da sua avó ainda fazem a cabeça de algumas mulheres?

Por que, em pleno século 21, papéis do tempo da sua avó ainda fazem a cabeça de algumas mulheres?

A filósofa Talyta Carvalho, 27 anos, prefere queimar seu filme a seus sutiãs. Ouviu um monte quando publicou, em 2012, o artigo “Não devemos nada ao feminismo” na Folha de S.Paulo. Por e-mail, bombaram mensagens do tipo “volte para o tanque”. “Em dois meses, eu era a menina mais reacionária do país.”

Na faculdade, ela estudou numa sala com dez meninas e 80 caras. Entre eles, sentiu-se “tipo rainha”. Com elas, notou um “ambiente hostil”. Foi aí que o feminismo começou a cheirar a arroz queimado.

A questão é que, para a paulista, lugar de mulher é onde ela quiser. Inclusive em casa, lavando cueca do maridão. Talyta defende que a carapuça feminista não cabe em toda mulher e ninguém deve se constranger por preferir pilotar o fogão à conta bancária própria.

Em pleno século 21, papéis do tempo da vovozinha ainda fazem sentido na cabeça dela. “Você acaba se sentindo feliz de fazer um jantar com seus amigos. E homens ficam felizes em dar presentes para a mulher.”

Mulher V

Casada há um ano, com mestrado orientado por Luiz Felipe Pondé, a filósofa se sente, assim, “meio darwinista”: “Homens que tinham instinto provedor acabaram sobrevivendo mais, e as mulheres que queriam ser cuidadas também. Daí hoje é assim”.

É na “mulher virtuosa”, essa “joia preciosa” citada na Bíblia, que outras mulheres se espelham. Caso da pastora e cantora Ana Paula Valadão, 36 anos. Casada há 12 (o pai teve de dar bênção ao noivo), com dois filhos e uma casa com quintal em Belo Horizonte, ela é uma espécie de Ivete Sangalo da música gospel. E defende: “[A mulher] Pode ser mais famosa, ganhar mais do que o marido, como é o caso aqui”. Desde que seja “submissa à liderança dele”. Como é o caso ali. Ana Paula, por exemplo, tem que pedir autorização do também pastor Gustavo para marcar um show.

A evangélica aprova o rótulo Amélia 2.0, que serviria “àquela mulher que ama seu marido, gosta de fazer as coisas para agradá-lo, deixa prontas a roupa para ele usar e a comida que ele gosta”.

Cristiane Cardoso, 39 anos, filha do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, chegou a lançar o livro Mulher virtuosa, que tem a seguinte descrição: “Esqueça tudo o que você já ouviu sobre o que é ser mulher. Hollywood. Revistas femininas. Conselhos de amigas. Filminhos da Disney. Lady Gaga. […] A mulher moderna está fora de moda. Entra a Mulher V. Ela desafia os conceitos e valores da mulher atual. Ela anda na contramão das avenidas feministas”.

Na mesma faixa transita a missionária cearense Deyse Lima, 28. Solteira, ela mora em Cachoeira Paulista (SP), na comunidade católica Canção Nova. Em seu blog, escreve que “não é FEMINISTA” e recorre ao dicionário para explicar a mulher prendada à Tpm: “Dotada de muitas e boas qualidades, e quem tem esmerada educação”. Critica o feminismo por “distorções como a defesa do aborto, o desrespeito ao próprio corpo ou a desvalorização da maternidade”.

E assim voltamos à filósofa Talyta, para quem, em geral, “as mulheres acabam se encaixando muito bem no papel de prover afeto”, enquanto os homens seriam naturalmente predispostos a abrir a carteira.

Exatamente como rezavam as antigas cartilhas sobre o papel da mulher... já não seria o tempo de superá-las? 

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