Além da casa e da vida, o casal de atores divide o palco no espetáculo Tudo que você sempre quis dizer sobre o casamento
Capa da Trip de julho, Maria Flor escreveu uma carta para Emanuel Aragão, seu namorado, com quem vive há um ano e meio. E ele fez o mesmo. Além da casa e da vida, a atriz e o ator/dramaturgo dividem o palco em Tudo que você sempre quis dizer sobre o casamento, espetáculo de stand-up no qual discutem questões do casal. A seguir, a bela troca de cartas dos dois.
De Maria Flor para Emanuel
"Hoje é domingo, está chovendo e você escreve sentado na mesa da varanda. A chuva cai bem forte do lado de fora da nossa casa. Karl Ove, nosso cachorro, está no seu pé, te acompanhando, enquanto você tenta se concentrar. Nós fomos almoçar rapidamente para sair um pouco e já estamos de volta na nossa rotina de trabalho em casa. Você gosta de deixar as coisas para o último minuto, como se por um milagre as palavras fossem escorrer de você na hora H, na hora que precisar escrever. Você diz que está sempre escrevendo, na sua cabeça, o tempo todo. Eu acredito e sei da sua capacidade enorme de criar.
Nos últimos três meses, a vida mudou. A gente se encontrou diferente, talvez a gente tenha se reencontrado pela primeira vez na nossa relação. Faz um ano que moramos juntos, faz quatro que espero você me ligar, que penso em você, que sinto sua falta mesmo quando você está simplesmente na varanda escrevendo.
Penso agora nas coisas que estamos fazendo juntos, na vida enorme que estamos criando. Um filme, uma peça, outra peça, uma casa, nosso cachorro, nosso cotidiano, seu filho um pouco meu, nossa história, nosso amor, um filho nosso quem sabe, uma vida.
Lembro sempre daquele bilhete que você me escreveu na única vez que me mandou flores: “Com essa estranha ideia de que é possível ser mais feliz a cada dia que passa”. Com essa estranha ideia... penso agora. É mesmo estranha.
Não sei se sou mais feliz a cada dia que passa. Sou outra, sou feliz muitas vezes e triste em tantos outros momentos, mas sei que estamos juntos, que a estranha ideia – e talvez só tenha entendido isso agora, aqui escrevendo isso – não seja ser feliz, mas sim ser honesto, tentar ser sincero, tentar conversar de verdade com o outro e assim conseguir se entregar e viver o que parece a coisa mais difícil da vida: o amor.
Eu não sei o que é o amor, mas parece ter a ver com a tal cumplicidade, como você escreveu outro dia, como temos conversado e procurado ter um com o outro.
Tenho muito medo de dar errado, de perder você na próxima esquina, de me perder no próximo voo para São Paulo, de nos perdermos pelo caminho confuso e difícil e muitas vezes doloroso que é a vida.
Provavelmente sim, nos perderemos muitas vezes e quem sabe nos reencontraremos muitas outras, como aconteceu agora, como acontece todos os dias quando levantamos da cama, cada um do seu lado, cada um do seu jeito, cada um sozinho na sua própria existência, você aí na varanda, e eu sozinha no quarto, mas ainda assim juntos, tentando ser mais felizes a cada dia que passa."
De Emanuel para Maria Flor
"Eu fui um menino criado num mundo onde tinha príncipe e princesa. Eu queria ser o He-man e o meu sonho era encontrar a Bela Adormecida. Achava que tudo aquilo existia e eu era muito romântico porque sempre tive muito medo de tudo, então era mais fácil imaginar. Sonhar mesmo com as coisas. E me apaixonei pela primeira vez com 4 anos de idade.
De lá pra cá, nos últimos 30 e poucos anos, vim me apaixonando quase sem intervalo. Sempre em busca de encontrar alguma coisa que nunca soube o que era. Um tipo de coisa que faltava e que existia como falta dentro de mim: era a ideia de amor. A ideia fantástica e perfeita do amor. Era disso que eu precisava pra conseguir finalmente ser feliz. Completamente feliz. E eu vivi a vida toda pautado por isso.
Em busca do amor perfeito esperando por mim em algum lugar e eu só tinha que conseguir encontrar. Sonhava com isso e rezava por isso – mesmo sem saber rezar – literalmente, todas as noites. O amor que eu queria encontrar. “Aquele amor com o qual eu sempre sonhei.” E eu acho que muita gente vai entender o que quero dizer. E eu vivi uma vida, ou algumas, como todo mundo vive, buscando esse troço em algum lugar.
E as relações, quando tomei coragem pra começar a tentar vivê-las – e isso demorou pra acontecer –, sempre falhavam em algum lugar: assim que acabava o apaixonamento, alguma coisa faltava – e dentro da minha cabeça o menino do He-man dizia que o que faltava era o tal do amor perfeito. E assim eu seguia, mais ou menos consciente disso, em busca do tal do amor que me esperava talvez na próxima esquina. E sempre alguma coisa falhava ou faltava. E a culpa era sempre do outro, que não era o meu encontro com a plenitude do amor. E assim seguia e segui sempre.
Em algum momento no meio disso, encontrei a Flor. E queria poder dizer qualquer outra coisa, mas a verdade é que eu nunca sonhei com isso que vivo agora. Nunca achei que fosse possível e nem nunca soube que existia: a Flor é a pessoa que me fez entender – ou a gente se fez entender junto um para o outro – que nada disso existia e o que a gente pode querer ou sonhar ter é a nossa própria vida. E a vida que a gente pode construir junto.
Ainda com todo o medo – porque ele nunca desapareceu por completo –, mas sabendo que é possível, que deve ser possível, que tem que ser possível. Porque esse outro, ela, a Flor, é tudo com o que eu nunca sonhei. E eu sei que sou o mesmo pra ela: tudo com o que ela nunca sonhou. E é a partir daí que a gente pode inventar uma vida junto e não se ressentir de não ter encontrado uma vida que nunca existiu.
E assim, pela primeira vez, desde aquele momento, ainda com 4 anos, em que o Pacato virava Gato Guerreiro, e o príncipe despertava a donzela, eu me vi feliz de verdade."
Vai lá: Tudo que você sempre quis dizer sobre o casamento
sábado, 28, às 21h, e domingo, 29, às 19h
Teatro dos Bancários
Brasília
Créditos
Imagem principal: Bispo
Coordenação geral Adriana Verani/ Beleza Gabriel Ramos/ Agradecimentos Tica Bertani/ Maria Flor usa Intimissimi